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Entrevista 11 de julho de 2018

José Senna aponta prioridades para ganhos de produtividade no Porto de Santos

Coordenador geral do Comus – Comitê de Usuários dos Portos e Aeroportos do Estado de São Paulo, na ACSP – Associação Comercial de São Paulo, desde a sua criação, em 1993, José Cândido de Almeida Senna conversou com a redação da Modal Marítimo sobre assuntos imprescindíveis ao setor, como o fortalecimento da presença do Usuário 24 horas, especialmente no Porto de Santos, para o pleno funcionamento do Porto 24 horas. Segundo ele, enquanto os investimentos não chegam para ampliar a capacidade de escoamento das mercadorias, é preciso trabalhar com o que se tem. E uma solução é usar o porto em horários alternativos.
Engenheiro civil e economista, Senna é pós-graduado em engenharia de transportes e industrial, com MPA pela Harvard Kennedy School. Ele coordenou projetos para a Empresa Brasileira de Planejamento de Transportes (Geipot/Ministério dos Transportes) nas áreas portuária e de marinha mercante, bem como de transporte intermodal com foco no Programa Corredores de Exportação, promovido pelo MT.
Também foi professor do Programa de Mestrado em Engenharia de Transportes do IME – Instituto Militar de Engenharia, participando de trabalhos voltados à análise de desempenho de terminais de contêineres. Há mais de 25 anos desenvolve, pela ConTrader Comércio Exterior, projetos e negócios de comércio internacional.
Atualmente, além de coordenador geral do Comus, coordena o projeto “Exporta, São Paulo” para a Facesp – Federação das Associações Comerciais do Estado São Paulo e a São Paulo Chamber of Commerce. É membro nato do Conselho Consultivo da ACSP, sócio-fundador do IBGC – Instituto Brasileiro de Governança Corporativa e conselheiro do Consic – Conselho Superior da Indústria da Construção, da Fiesp – Federação das Indústrias do Estado de São Paulo.

Modal Marítimo: Qual a relação do Porto 24 horas com o Usuário 24 horas?
José Senna: O Usuário 24 horas é um elemento fundamental para viabilizar o Porto 24 horas. Em relação ao Porto de Santos, a questão central envolvendo o Usuário 24 horas diz respeito à viabilidade do transporte rodoviário de grãos e contêineres em horários noturnos de dias úteis (20h às 6h) e aos finais de semana, períodos em que as rodovias apresentam ociosidade. O grande desafio é conscientizar/mobilizar o usuário para que ele faça uso do complexo nesse período. Se as empresas mantiverem as operações nos tradicionais horários, os custos operacionais crescerão de tal forma que teremos, caso se confirme a reversão de expectativas de consumo e investimento, uma situação insustentável.

MM: Estamos em ano de eleição, o que esperar das novas lideranças?
JS: Os candidatos à presidência estão evitando falar de assuntos impopulares – como reforma da previdência – para não perder votos. Embora as contas não fechem, os eleitores não estão dispostos a adiar sua aposentadoria. Esse dilema, que o governante vai ter de enfrentar, traz incertezas sobre o futuro do país. Qual será o cenário em 2019, haverá contenção de gastos? Os profissionais que estão prestando assessoria econômica aos candidatos à presidência são unânimes na questão de que é necessário racionalizar o gasto público e definir prioridades. E a sociedade está aí, clamando por justiça, segurança, saúde, educação e a continuidade do programa de renda mínima. No entanto, não está claro no discurso dos candidatos que nós teremos isso. A expectativa de crescimento do PIB, que era de 2,8% no primeiro trimestre, foi caindo para 2,5%; 2,3%. Hoje eu diria que está entre 1% e 1,8%. Então, se crescermos 1,5% está ótimo.

MM: Como esse cenário influencia na questão do Usuário 24 horas?
JS: A pressão pelo Usuário 24h no Porto de Santos, caso as expectativas fiquem aquém daquelas imaginadas, vai continuar, qualquer que seja o percentual de crescimento da economia. Isso porque se o PIB crescer 1%, as importações vão crescer mais que isso, e o Porto de Santos concentra grande parte das importações do país. São Paulo, Sul de Minas, Nordeste do Paraná, Mato Grosso do Sul, Mato Grosso, Tocantins e Goiás são áreas de influência direta do porto, de onde saem produtos para outros países e também para onde vão as mercadorias que chegam pelo porto. O centro de gravidade do país está nessa região, que fica muito sensível à reversão da expectativa, tanto de consumo, quanto de investimento, pois grande parte dessa movimentação é feita em contêineres. É exatamente aí que está o nó da questão, pois os contêineres são transportados predominantemente por rodovias. Hoje, o transporte de contêineres por ferrovias não passa, no caso do Porto de Santos, de 3% da movimentação total. Por isso a figura do Usuário 24 horas é de fundamental importância.

MM: Fale mais sobre esse impacto.
JS: Quando se tem uma reversão de expectativas, a produção e o consumo voltam a crescer e começa-se a gerar empregos. Os fluxos de passageiros aumentam, assim como de importações e exportações de produtos. Essa realidade vai impactar o sistema Anchieta-Imigrantes, tornando-o crítico. Como o sistema ferroviário está no seu limite, tudo desemboca no rodoviário, que tem a tradição de funcionar em horários diurnos e dias úteis. Veja bem, não podemos evitar o fluxo de passageiros, por isso, estamos chamando a atenção do usuário do porto para que ele passe a atuar em horários alternativos.

MM: Como o porto deve se organizar para atender a essa demanda?
JS: Para que a logística seja efetiva, é preciso que ela funcione como uma grande orquestra, caso contrário, teremos um estrangulamento gigantesco. O acesso tem de operar 24 horas, com todas as janelas operacionais atuando em sincronia. Vale lembrar que o Porto de Santos já funciona 24 horas, mas se não tiver demanda em horários noturnos, não haverá pessoas trabalhando no local. É a questão do ovo e da galinha. É preciso que o usuário realmente apareça para que os serviços comecem a se desenvolver. Estamos na expectativa.

MM: O que vem sendo feito a respeito?
JS: Mostramos às empresas que elas podem até não querer migrar para a operação nos dias e horários alternativos, mas que os custos operacionais vão crescer de tal ordem que a situação vai ficar insustentável. Se os fretes crescerem em igual proporção, elas vão perceber que mesmo que o transportador cobre adicional de trabalho noturno e que o seguro nesse horário seja mais caro, vai valer a pena. É só fazer as contas. Não está previsto nenhum investimento rodoviário que gere crescimento relevante de capacidade. Então, será preciso acomodar mais cargas e mais passageiros com o estoque de ativos que se tem, ou seja, com as mesmas vias de acesso e os mesmos veículos.

MM: Quais são as perspectivas com esse projeto?
JS: Definido o quadro político, o Usuário 24 horas deve trazer uma perspectiva da alento à economia, além de crescimento de cargas e de passageiros. Não vai ter truque ideológico, as mudanças precisam vir. Os mais pessimistas dizem que 2019 será crítico, se não houver uma revisão expressiva dos gastos. O quadro está se deteriorando muito.

MM: E sobre o Porto de Santos ser considerado um hub port? Quais suas considerações?
JS: Aos trancos e barrancos, o Porto de Santos está se tornando um hub port, apesar de os mais pessimistas dizerem que não há condições. Isso se deu pela reorganização da oferta do transporte marítimo internacional de contêineres, no sentido da diminuição dos serviços, que ocorreu, sobretudo, a partir da última grande crise do subprime, no mundo inteiro, em 2010, que teve um impacto muito grande na economia global. Os armadores começaram a se reorganizar e diminuir os serviços que atendem os portos da América do Sul em contêineres. Houve redução do número de armadores na área. Em Santos, considerando-se os movimentos anuais acumulados em 2010 e 2017, as atracações de porta-contêineres caíram de 2.908 para 1.912, enquanto o total de contêineres cheios em ambos os sentidos evoluiu de 1,9 milhão para 2,5 milhões de TEUs. Com base nesse comportamento, conclui-se que as consignações médias cresceram cerca de 97%, passando de 651 para 1.283 TEUs por atracação. Isso significa que os navios são maiores para poderem levar mais contêineres por atracação. E só não levam mais porque o Porto de Santos tem problemas de calado.

MM: Esse é um antigo problema. Como estão as discussões a respeito?
JS: Diante das necessidades em outros setores, acho complicado o governo investir na dragagem do porto. E esse fato pode levar a um questionamento: o Estado precisa fazer esse investimento? Será que a iniciativa privada não pode tocar a dragagem em Santos? Na minha visão pessoal, sim, claro! Para isso, é preciso criar regras estáveis.

MM: Quer dizer que o problema da dragagem está no aspecto jurídico?
JS: Sem dúvida. Os marcos regulatórios estão emperrando os investimentos em infraestrutura. As regras não estão claras. Pegue, por exemplo, os portos. O tal Decreto dos Portos está todo dia em discussão, aguardando a análise do TCU – Tribunal de Contas da União. Nenhuma iniciativa foi realmente efetivada porque há uma insegurança jurídica no ar. Como investir sem saber se as regras vão mudar? Isso causa uma paralisia geral, não apenas no porto, mas também no marco regulatório ferroviário, pois as concessões ainda não foram renovadas. Vivemos uma situação muito delicada. Por isso eu digo que não vai ter truque ideológico. Não é coisa de um ou outro partido. O Complexo Santista vai ter de trabalhar com ganhos efetivos de produtividade.

MM: E como fazer isso, além da implantação do Usuário 24 horas?
JS: Com os marcos regulatórios emperrados, para que os ganhos de produtividade se materializem, é preciso se apoiar muito em instrumentos de tecnologia na área de logística, que envolva sensores, plataformas digitais, semáforos inteligentes nas rodovias, câmaras instaladas nos caminhos mais críticos, fazendo a rastreabilidade das cargas, tudo isso para que se aproveite o espaço para escoamento. É assim que se faz a orquestra toda funcionar: com forte uso da tecnologia. Muito avanço já foi feito nessa questão. Além disso, o serviço de cabotagem tem dimensão enorme em Santos e precisa ser bem articulado.

MM: Sobre a Resolução Normativa 18/2017 da Antaq – Agência Nacional de Transportes Aquaviários, qual o ponto de maior polêmica?
JS: No final de 2017, a Antaq baixou a RN 18, que trata da relação entre usuários, agentes intermediários e empresas de navegação, definindo, também, infrações administrativas àqueles que transgredirem as regras. Mas há um equívoco no Capítulo I, Artigo 1º, Parágrafo Único, pois foram eliminados do seu escopo o porto organizado e os terminais portuários. Esse ponto ainda está em discussão, para que se faça essa inclusão. Se os agentes intermediários são essencialmente operadores multimodais, é fundamental que se inclua um membro dessa cadeia, que é o porto, excluído da norma com a alegação de que ele já é tratado em outros normativos da Antaq. Tudo bem, é tratável, mas para dar uma compreensão mais clara ao usuário, pleiteamos que essa exclusão seja revista.

MM: E a Antaq está disposta a fazer alterações?
JS: A direção da entidade está se mostrando totalmente receptiva e disponível para ouvir usuários, agentes intermediários e representantes de empresas de navegação no sentido de aperfeiçoamento da norma, de modo com que ela reflita da melhor maneira possível a realidade do transporte e permita que a logística por via marítima seja mais eficiente. A ideia é diminuir os conflitos que hoje existem entre embarcador, empresa de navegação e agente intermediário. Que a norma seja uma grande promotora da harmonia. Enquanto acontecem as discussões, vale lembrar que ela está em vigor da forma com que foi publicada.

MM: Que outros pontos são fundamentais serem discutidos?
JS: O poder público, como órgão regulador do setor, deve disseminar amplamente as informações referentes a quais destinos cada terminal atende, em qual frequência e em quais condições, para que os usuários possam tomar corretamente a sua decisão. Isso não está acontecendo. Ou seja, os terminais, no caso de Santos, apresentam esses dados da forma como bem entendem, sem qualidade. Como comparação, o Portonave, de Santa Catarina, dá mais apoio ao embarcador que Santos. E isso é facilmente possível com a ajuda da tecnologia.

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