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Conteúdo 22 de janeiro de 2008

A gangorra americana

Com o fim da Segunda Guerra Mundial, em 2 de setembro de 1945, tem início um período de meio século de hegemonia americana a que o episódio da destruição das torres do World Trade Center em 11 de setembro de 2001 parece emblematicamente assinalar o início de seu fim.

Essa não foi meramente uma hegemonia econômica, mas geral. Abrangendo desde a substituição dos sorvetes naturais de frutas (sherbet) pelos ice-creams elaborados com uma mesma base de leite temperada com extratos artificiais. Muito mais ampla e profundamente do que isso, o mundo passou a copiar os modelos do gigante vencedor. Os tradicionais valores humanistas universais da lógica, da estética e da ética foram suplantados pela supremacia de uma visão pragmática que erigia como supremo o critério simplificado do "custo-benefício" e seus benefícios democráticos.

Na economia, o país se tornara sim o Centro do Comércio Mundial, como proclamavam suas imponentes torres no coração de Manhatan. Recuperando-se das destruições bélicas, o mundo inteiro exportava para o mercado americano realizando superávits na sua balança comercial que, ao mesmo tempo que criavam imensa fartura de bens nesse país, acumulavam uma gigantesca dívida americana sem maior perigo na sua estabilidade financeira, contudo, pois os superávits obtidos eram aplicados na sua maioria em títulos do governo americano.

A decorrência desse regime econômico praticado décadas a fio foi o desenvolvimento de uma obesidade pletórica de recursos nas instituições financeiras americanas, as quais descarregaram seu sufoco no boom imobiliário facilitando concessões de crédito à população independentemente e muito além de sua capacidade de resgate das dívidas assumidas.

O aumento da inadimplência seria uma decorrência matemática. Ela explodiu nos nossos dias e os grandes bancos americanos, como o Merrill Lynch, começaram a contabilizar prejuízos. Prejuízos que ao se propagar em cascata abalavam todo o sistema financeiro do país. Um abalo sísmico mais acentuado levou os bancos centrais dos principais países a uma operação de pronto socorro que injetou bilhões de dólares no sistema bancário americano. A medida foi mero paliativo, pois o problema não era meramente conjuntural, mas estrutural.

Em meados de dezembro de 2007, Allan Greenspan, prestigioso economista que fora dirigente do Federal Reserve System (o banco central americano), declarou com eufemística prudência ver uma probabilidade de 50% da economia americana entrar em recessão. E o episódio seguinte da novela foi o governo entrar em campo com o programa de um pacote que visa conceder incentivos fiscais às empresas e alívio tributário aos consumidores. A Bolsa caiu. Explica-se: nas bolsas americanas operam gigantescas corporações financeiras cujos economistas e técnicos conhecem a fundo as realidades econômicas e financeiras. Elas reagiram de acordo. O pacote anunciado por Bush não representa mais do que 1% do PIB americano, o que parece insuficiente para corrigir uma situação que, como dissemos acima, não é meramente conjuntural, mas estrutural.

Não é a primeira vez que temos uma situação dessa natureza na história econômica mundial. O término da Primeira Guerra Mundial em 1918 originou nos Estados Unidos uma década conhecida como a dos gay twenties, os alegres e levianos anos 20, em que o céu parecia o limite, e que despencaram na crise mundial da década dos 30 inaugurada pelo crash de 1929 da Bolsa de New York. A crise se agrava e se alastra por todo o mundo. Um dos documentos fotográficos mais característicos da época é o de um desempregado sentado em uma calçada de Manhatan com uma cesta de maçãs que tentava vender para ganhar a vida…

Em 1936 Franklin Roosevelt assume a presidência e cria um Brains Trust, um "grupo de crâneos" como conselheiro para a sugestão de medidas destinadas a debelar a crise. Eram essencialmente economistas discípulos de John Maynard Keynes, que nesse mesmo ano vinha de publicar seu livro Teoria Geral do Emprego, do Juro e da Moeda, que inaugurava a macro-economia, dando novos rumos e instrumentos à clássica e tradicional Economia Política.

Em essência, dizia Keynes que a política econômica estava errada ao tentar economizar para debelar a crise, e enunciava em números o que aconteceria com ela. Dependendo dos gastos governamentais ela continuaria como estava, se agravaria ou seria superada. Seu argumento é que numa situação de recessão, se o setor privado não tem disposição nem possibilidade de investir para criar empregos, o governo deve fazê-lo, assumindo a iniciativa de grandes obras, mesmo com a emissão de moeda para suplementar suas receitas orçamentárias.

O essencial teórico da macro-economia keynesiana permanece íntegro. Mas a síndrome atual parece outra, outro o cenário da economia mundial e outros os remédios necessários e aplicáveis. Tudo parecendo constituir um longo e penoso processo de reajustamento da economia americana e também mundial num quadro de novas potências econômicas que surgem no mundo. Processo que, obviamente, não cometeremos a tolice de sequer pretender imaginar.

Aventuramo-nos, isto sim, a comentar a opinião emitida por autoridades financeiras do nosso país, de que por tais e quais motivos estaremos bem protegidos de uma crise mundial se ela vier. O que parece indicar que elas não avaliam o grau atingido pela globalização econômica e até que, a limite, ignoram o fato de que o Brasil está inserido num único e mesmo planeta – a Terra.

 

Fonte: Diário do Comércio

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