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Conteúdo 3 de abril de 2008

As cartas do jogo

“As cartas não mentem jamais!” Quem nunca ouviu essa tradicional afirmativa de fé no poder do baralho como instrumento de previsão, seja através de oráculos ciganos ou de desenhos animados tipo Scooby-Doo?

Mas a analogia com o biriba acabou se tornando mais generalizada, no âmbito da política e economia, como se tudo fosse um grande jogo (será que não é?) com as cartas sendo colocadas de forma estratégica, voltadas para alcançar um determinado objetivo. Nesse caso, é importante tentar reconhecer quem é bom e quem é mau jogador.

O bom jogador é aquele que está focado no resultado final da disputa, enquanto existem outros que apenas vão levando a partida, aproveitando certos momentos efêmeros de liderança para fazer estardalhaço, mas praticando um jogo sem a consistência necessária para chegar à vitória (a conduta venezuelana, argentina, boliviana e brasileira, sob certos aspectos, segue essa linha).

Há exemplos bem generosos na historia de pessoas e civilizações triunfantes e derrotadas em função de seus respectivos acertos e erros de “estratégia de jogo”. Para os interessados no tema recomendo dois livros: Ascensão e Queda das Grandes Potências, de Paul Kennedy; e Memórias da Segunda Guerra Mundial, do ex-premier britânico Winston Churchill – esse realmente um grande mestre do carteado, não apenas na política e na guerra, mas  particularmente no pôquer.

E os dias atuais estão repletos de jogadas econômicas mirabolantes tanto no âmbito internacional como brasileiro. Analisando, dessa vez, o mundo, estamos assistindo os movimentos do Federal Reserve (Banco Central dos Estados Unidos), tentando vender confiança aos norte-americanos e relacionados através da baixa dos juros em tempos de inflação alta; da cobertura dos furos dos bancos que perderam lastro por conta dos calores de origem imobiliária (Bearn Stearns);  e, nos últimos dias, anunciando o maior e mais importante conjunto de mudanças nas regras do sistema financeiro desde a Grande Depressão de 1929. Ou seja, por um lado, há o blefe de que está tudo bem; e por outro temos uma brutal alteração estratégica para evitar um desastre apocalíptico.

Considerando os dois aspectos em seu conjunto, fica quase evidente que uma estratégia de jogo até então vitoriosa deixou de sê-la. Mas como será que isso ocorreu? Aí o melhor é para de comprar expectativas de futuro e analisar o passado.

Nesse contexto, considero dois os fatos mais emblemáticos que levaram a economia norte-americana a perder sua posição vantajosa no jogo financeiro (eram praticamente os crupiês do mundo). Em primeiro plano coloco o mote da campanha que elegeu George Bush presidente dos EUA pela primeira vez. Seu compromisso de campanha era baixar impostos, até devolvendo aos contribuintes os valores pagos na última declaração de renda – o que foi feito. No entanto, essa prodigalidade, juntando com as despesas militares extras (Afeganistão, Iraque, etc) acabaram por dilapidar as contas públicas estadunidenses.

Paralelamente (o segundo fato) existe algo maior em jogo do que a questão financeira isoladamente. É o domínio econômico global, ameaçado de instabilidade hegemônica pela ascensão chinesa. Em outras palavras, para os norte-americanos continuarem na posição de bam-bam-bans da economia mundial, eles são obrigados a crescer a um ritmo no qual seu PIB continue inalcançável para China no próximo meio século, pelo menos. O percentual mágico que resolveria essa equação seria em torno de 4%. Mas uma economia madura, com nível de consumo elevado, não tem poder de fogo para tal intensidade de expansão. Daí, com a bolha imobiliária, os ianques bateram no muro.

Agora, o próprio Ben Bernanke (presidente do Fed) está prevendo recessão, admitindo que a rodada do jogo está perdida, mas aparentemente com planos para a próxima partida, já  que os chineses ganharam a atual disputa: se inseriram de forma avassaladora no comércio mundial, ao mesmo tempo em que relativizaram o poder econômico dos Estados Unidos que, de lambuja, ainda perdeu a moral como potência militar imbatível.

E enquanto o comércio mundial congela (de acordo com o Escritório de Análise da Política Econômica, na Holanda, nos três meses até janeiro de 2008, o comércio mundial cresceu apenas 0,2% na comparação com igual período do ano anterior), as forças relevantes se reorganizam para buscar a vitória ou um posicionamento pelo menos razoável na próxima rodada do jogo econômico global.

 

Eduardo Starosta é economista – eduardostarosta@uol.com.br

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