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Conteúdo 29 de fevereiro de 2008

Um número inconveniente

No decorrer dessa semana, alguns números da economia brasileira vêm sendo alvo de aplauso em vários dos principais veículos de imprensa do país.

Em primeiro lugar a bolsa de valores aparentemente superou o trauma das turbulências de janeiro e cresce celeremente com o IBovespa ultrapassando os 65.000 pontos. Ao mesmo tempo o real continua se fortalecendo, com o dólar já sendo cotado abaixo de R$ 1,68. A chave de ouro ficou para um dado histórico: depois de mais de 180 anos como país independente, o Brasil deixou pela primeira vez a posição de devedor internacional, tornando-se o credor. Em poucas palavras isso quer dizer que o total da dívida externa nacional, pública e privada, é inferior aos créditos que o Brasil tem a receber no exterior, somadas as reservas cambiais.

Os fatos dentro do escopo em questão não são, em si, passíveis de questionamento. São verdadeiros e pronto. Mas chamo a atenção do leitor para uma visão qualitativa da situação. Será que esse posicionamento brasileiro é realmente consistente e duradouro?

Para responder essa questão, é imprescindível ter uma visão externa do que significa ser o Brasil hoje.

Em síntese nosso país está na vanguarda mundial da exportação de ferro, soja e carne. Essas commodities são as verdadeiras responsáveis pela sustentação do superávit comercial. A rigor, tal quadro não é muito diferente dos ciclos ouro, do algodão, do açúcar e do café que alavancaram a economia nacional nos séculos passados.

É lógico o nosso grau de diversificação hoje é muito maior, incluindo na pauta exportadora produtos de alto valor agregado como os aviões da Embraer, por exemplo. Mas essencialmente a estrutura comercial do país não se livrou do estigma de dependente dos produtos da base primária, normalmente os mais suscetíveis a mudança de humor da economia mundial.

Em outras palavras, caso as exportações de ferro, soja e carne sejam reduzidas, o equilíbrio comercial vai para as cucuias.

Mas mesmo que isso não ocorra, a valorização do real chegou a patamares tão elevados que na quarta semana de fevereiro foi registrado o primeiro déficit comercial desde 2002. Isso seria apenas casualidade caso a balança comercial de janeiro não tivesse registrado o pior desempenho dos últimos 67 meses. Eis, então, um número inconveniente que pode ser o ventil de escape de todo o oxigênio que atualmente e infla o ego da economia brasileira.

Sinceramente, é difícil de confiar na economia de um país que está mais de uma década dentre os grandes líderes dos juros globais; cuja carga tributária vem subindo a cada ano, perigando ultrapassar os 40% do PIB; cuja moeda é excessivamente contaminada pelo efeito da especulação internacional no mercado financeiro e de ações.

Por último, não se engane: apesar de todos os mirabolantes mecanismos de escape dos mais poderosos bancos centrais do mundo, a onda de créditos podres identificado inicialmente no mercado imobiliário norte-americano será implacável e atingirá negativamente a todos. No caso do Brasil, os efeitos não estarão apenas restritos a queda de exportações e redução do preço das commodities. Espera-se ainda grande fuga de capitais, que normalmente só é contida com juros estratosféricos.
 
Não pretendo ser um pessimista inveterado. No entanto, me consideraria irresponsável se não alertasse para os evidentes riscos do panorama econômico atual. A vantagem disso pode ser muito bem explicada por aquele ditado que diz "não se morre da doença que sabemos ter”. Em vários casos isso é verdade, desde que um tratamento de verdadeira cura seja feito.

E voltamos a velha e desafinada tecla chamada reforma do Estado. Sem isso, continuaremos na prisão da gangorra do sobe e desce; no final das contas quase não saindo do mesmo lugar.

Eduardo Starosta é economista e pós-graduado em filosofia. Desde 1999 é Diretor da Estplan Assessoria e Planejamento Econômico LTDA, empresa especializada em inteligência de mercado, análise de conjuntura e cenários, com atuação central em entidades empresariais. Uma de suas obras de maior destaque é “Agrocenários, Desafios e Oportunidades” – 2006, elaborada em conjunto com o ex-ministro da agricultura, Francisco Turra.

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