Um número inconveniente
No decorrer dessa semana, alguns números da economia brasileira vêm sendo alvo de aplauso em vários dos principais veículos de imprensa do país.
Em primeiro lugar a bolsa de valores aparentemente superou o trauma das turbulências de janeiro e cresce celeremente com o IBovespa ultrapassando os 65.000 pontos. Ao mesmo tempo o real continua se fortalecendo, com o dólar já sendo cotado abaixo de R$ 1,68. A chave de ouro ficou para um dado histórico: depois de mais de 180 anos como país independente, o Brasil deixou pela primeira vez a posição de devedor internacional, tornando-se o credor. Em poucas palavras isso quer dizer que o total da dívida externa nacional, pública e privada, é inferior aos créditos que o Brasil tem a receber no exterior, somadas as reservas cambiais.
Os fatos dentro do escopo em questão não são, em si, passíveis de questionamento. São verdadeiros e pronto. Mas chamo a atenção do leitor para uma visão qualitativa da situação. Será que esse posicionamento brasileiro é realmente consistente e duradouro?
Para responder essa questão, é imprescindível ter uma visão externa do que significa ser o Brasil hoje.
Em síntese nosso país está na vanguarda mundial da exportação de ferro, soja e carne. Essas commodities são as verdadeiras responsáveis pela sustentação do superávit comercial. A rigor, tal quadro não é muito diferente dos ciclos ouro, do algodão, do açúcar e do café que alavancaram a economia nacional nos séculos passados.
É lógico o nosso grau de diversificação hoje é muito maior, incluindo na pauta exportadora produtos de alto valor agregado como os aviões da Embraer, por exemplo. Mas essencialmente a estrutura comercial do país não se livrou do estigma de dependente dos produtos da base primária, normalmente os mais suscetíveis a mudança de humor da economia mundial.
Em outras palavras, caso as exportações de ferro, soja e carne sejam reduzidas, o equilíbrio comercial vai para as cucuias.
Mas mesmo que isso não ocorra, a valorização do real chegou a patamares tão elevados que na quarta semana de fevereiro foi registrado o primeiro déficit comercial desde 2002. Isso seria apenas casualidade caso a balança comercial de janeiro não tivesse registrado o pior desempenho dos últimos 67 meses. Eis, então, um número inconveniente que pode ser o ventil de escape de todo o oxigênio que atualmente e infla o ego da economia brasileira.
Sinceramente, é difícil de confiar na economia de um país que está mais de uma década dentre os grandes líderes dos juros globais; cuja carga tributária vem subindo a cada ano, perigando ultrapassar os 40% do PIB; cuja moeda é excessivamente contaminada pelo efeito da especulação internacional no mercado financeiro e de ações.
Por último, não se engane: apesar de todos os mirabolantes mecanismos de escape dos mais poderosos bancos centrais do mundo, a onda de créditos podres identificado inicialmente no mercado imobiliário norte-americano será implacável e atingirá negativamente a todos. No caso do Brasil, os efeitos não estarão apenas restritos a queda de exportações e redução do preço das commodities. Espera-se ainda grande fuga de capitais, que normalmente só é contida com juros estratosféricos.
Não pretendo ser um pessimista inveterado. No entanto, me consideraria irresponsável se não alertasse para os evidentes riscos do panorama econômico atual. A vantagem disso pode ser muito bem explicada por aquele ditado que diz "não se morre da doença que sabemos ter”. Em vários casos isso é verdade, desde que um tratamento de verdadeira cura seja feito.
E voltamos a velha e desafinada tecla chamada reforma do Estado. Sem isso, continuaremos na prisão da gangorra do sobe e desce; no final das contas quase não saindo do mesmo lugar.
Eduardo Starosta é economista e pós-graduado em filosofia. Desde 1999 é Diretor da Estplan Assessoria e Planejamento Econômico LTDA, empresa especializada em inteligência de mercado, análise de conjuntura e cenários, com atuação central em entidades empresariais. Uma de suas obras de maior destaque é “Agrocenários, Desafios e Oportunidades” – 2006, elaborada em conjunto com o ex-ministro da agricultura, Francisco Turra.