Cabotagem Brasil – Parte II
Como já comentamos anteriormente, o transporte marítimo de cargas é praticado por todas as civilizações desde a antiguidade. Porém, a marinha mercante, como entidade autônoma, foi instituída somente na idade média.
Falando em marinha mercante, a mesma envolve um conjunto de navios, portos, estabelecimentos e suas tripulações, o que permite o transporte marítimo de pessoas e mercadorias de forma segura.
O produto oferecido pela marinha mercante é o transporte marítimo que, conforme Stopford (2017) destaca, “é uma das indústrias mais internacionais do mundo e, no estudo da economia marítima, estaremos discutindo a economia mundial como um todo”. Lembrando que o transporte marítimo envolve diversos serviços específicos que, apesar de possuírem uma relação, desenvolvem suas próprias características.
Geralmente, as pessoas confundem a marinha mercante com a marinha de guerra, por isso fizemos essa primeira introdução no estudo, para deixar clara que a nossa atuação, quando falamos de cabotagem, está ligada à atuação da marinha mercante.
Inicialmente, para avaliar a dimensão que a cabotagem brasileira representa nesse cenário, precisamos fazer uma analise comparativa em termos de dimensões continentais de alguns países para entender os seus respectivos serviços de cabotagem.
Em 2018, a UNCTAD (Conferência das Nações Unidas sobre Comércio e Desenvolvimento) apresentou um estudo chamado “Rethinking Maritime Cabotage for Improved Connectivity” (Repensando a Cabotagem Marítima para Melhorar a Conectividade) que demonstrou os desafios enfrentados pelos países com maiores extensões de costa e que possuem condições de desenvolver uma excelente navegação de cabotagem.
Pais | Extensão costa (KM) | Area (Km²) | Cabotagem |
Argentina |
4.989 | 2.7804.00 | Protegida |
Chile | 6.435 | 756.102 | Protegida |
Índia | 7.000 | 3287263 | Protegida |
Turquia | 783.562 | 783.562 | Protegida |
Brasil | 7.491 | 8.510.821 | Protegida |
Itália | 7.600 | 301.340 | Protegida |
Mexico | 9.330 | 1.964.375 | Protegida |
Reino Unido | 12.429 | 243.610 | Não Protegida |
China | 14.500 | 9.596.960 | Protegida |
Grécia | 13.676 | 131.967 | Protegida |
Nova Zelândia | 15.134 | 268.838 | Não Protegida |
Estados Unidos | 19.924 | .983.3517 | Protegida |
Australia | 25.760 | 7.741.220 | Protegida |
Japão | 29.751 | 377.915 | Protegida |
Filipinas | 36.289 | 300.000 | Protegida |
Rússia | 37.653 | 17.0982.42 | Protegida |
Indonésia | 54.716 | 1.904.242 | Protegida |
Canadá | 202.080 | 9.984.670 | Protegida |
Fonte: Antaq
Obs: A Noruega foi excluída porque, embora tenha uma extensão total de costas de 25.148 km, a extensão do litoral continental é de apenas 2.650 km, posto que os fiordes distorcem muito o resultado.
“Mercados de cabotagem representam trocas comerciais e negócios consideráveis para embarcadores de carga. A movimentação de embarcações domésticas representa um percentual muito alto do total da movimentação de embarcações em países com faixas costeiras extensas, como o caso da Argélia, Austrália, Brasil, China, Chile, Índia, Itália, México, África do Sul, Turquia, e os Estados Unidos.” ((UNCTAD, 2018)
E importante ressaltar alguns fatores observados no estudo referentes à situação do Brasil:
– 14º pais do mundo em extensão de costa;
– 154º lugar, num ranking de 195 paises, quando fazemos uma relação em proporção extensão de costa (km) e área do pais (km²), pois o Centro-Oeste e a sua condições geográfica dificultam o serviço de cabotagem;
– Todos aqueles que possuem um litoral maior do que o do Brasil possuem, em algum de grau, medidas de proteção à sua navegação de cabotagem, exceto o Reino Unido e a Nova Zelândia, países insulares de tradição mais liberal, que têm um regime de cabotagem mais aberto;
– 76,61% do PIB brasileiro esta concentrado em um raio de 1100 km de São Paulo. Devido a este distanciamento entre o centro produtor e o centro consumidor, e sendo a cabotagem o serviço de excelência para distâncias superiores a 1.500 km, conforme estudo apresentado pelo Banco Mundial (2011), acaba a mesma perdendo competitividade em relação ao modal rodoviário no tocante as cargas de alto valor agregado.
Concentração de 76% do PIB em um raio de 1.100 km de distância de São Paulo
Fonte: IBGE (2010). Elaboração GDE/SDS/ANTAQ
Sabemos que o modal rodoviário será sempre o mais praticado em quase todos os países do mundo para médias e curtas distâncias, e os outros modais de maior capacidade unitária de carga passam a predominar, na medida em que as distâncias e os volumes vão aumentando.
Assim sendo, a Secretaria Especial de Assuntos Estratégicos (SAE), em um dos seus levantamentos, efetuou uma simulação que demonstra o quando é verdadeira a informação apresentada, no que diz respeito à relação distância x utilização do modal. Nesse simulado foram utilizadas rotas que estão acima e abaixo de 1440 km.
As rotas foram: Recife/São Paulo, com 4.220 km, e São Paulo/Florianópolis, de 1.440 km. Conforme o estudo da SAE, o custo total é cerca de 60% mais barato na cabotagem que o transporte puramente rodoviário na rota Recife/São Paulo. Já na rota São Paulo/Florianópolis, o custo total é cerca de 5% mais caro na cabotagem que no transporte puramente rodoviário (COSTA FILHO; ALMEIDA; ANDRADE, 2019).
Vale ressaltar que a cabotagem apresenta um custo total menor para longas distâncias, porém não podemos esquecer que o transporte rodoviário ainda tem grande participação no custo, então, além de buscarmos uma maior participação da cabotagem no cotidiano de nossas operações, precisamos enfrentar algumas questões relacionadas ao modal rodoviário que permitam uma melhor integração de toda a cadeia.
Mesmo sabendo que possuímos alguns gargalos e que estamos buscando alternativas para correção, a movimentação de carga através da cabotagem no Brasil possui a tendência de crescimento, onde o volume de carga transportada chegue aos 200 milhões de toneladas movimentada ao ano (Antaq).
Abaixo a movimentação de cargas entre os portos brasileiros em 2020.
Uma característica da cabotagem brasileira é o transporte de commoditeis e, em grande destaque, os derivados de petróleo, que representam 76%. Em contrapartida, estamos presenciando o crescimento do transporte de contêineres, que está em uma taxa de 18,5% a.a.
Fonte: Antaq
Fonte: Antaq
Segundo Dias (2004), o cenário, de fato, é animador, já que o transporte por cabotagem apresenta vantagens típicas dos modais de navegação, como menor emissão de gases poluentes e o reduzido número de avarias e roubos de cargas, na comparação com o transporte por caminhões e com menor custo.
Portanto, considerando todo o contexto apresentado observamos que a cabotagem é uma modalidade viável no cenário brasileiro, e também podemos ressaltar que o modal rodoviário, apesar de apresentar, em alguns trajetos, um custo mais elevado do que o modal marítimo, não será prejudicado, pois não existe movimentação de carga sem o utilização deste modal.
Conclusão
O Brasil precisa buscar entender todos os modelos de transportes existentes e buscar implantar uma cultura da intermodalidade, pois em um pais de dimensões continentais, ganhar eficiência logística é fundamental para o crescimento de todos os setores.
Também é importante entender que o mercado da cabotagem não irar competir com o modal rodoviário, pois os fluxos rodoviários são intraregionais ou por exportação (interior-litoral), onde esses passagens representam os maiores volumes de cargas transportadas e que não estarão disponíveis para cabotagem.