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Conteúdo 27 de outubro de 2021

Distante de possível solução, a situação da economia (e da sociedade) brasileira ainda é extremamente grave

Apesar da esperança de dias melhores – é sempre bom tê-la –, a situação da economia nacional é extremamente preocupante e merece cuidados, não podendo estar sujeita a ações demagógicas, populistas e com fins eleitoreiros, inconsequentes por si sós, e que ‘empurram’ os problemas, sem solução, para a frente.

É notório que a crise política vem se agravando e a provável aprovação do Relatório da CPI da Covid, prevista para os próximos dias, aumentará ainda mais a pressão sobre o governo federal que, cada vez mais ‘encurralado’ e ‘desorientado’, não medirá esforços para tomar medidas paliativas e que apenas terão como objetivo a reeleição presidencial. Nada a ver, portanto, com os interesses nacionais.

Importante ressaltar que o agravamento da situação social, seja pelo alto nível de desemprego ou pelo aumento da inflação, continuará gerando extremo ‘desconforto’ a todos, não havendo dúvidas quanto ao surgimento de movimentos reivindicatórios maiores, com mais frequência e que conturbarão um ambiente já demasiadamente complicado. Parece que com uma greve dos caminhoneiros à frente. Ou será que o Auxílio Diesel, ao custo de mais R$ 4 bilhões em um ano resolverá o problema?

Especificamente sob o aspecto econômico, como tenho comentado já há algum tempo, a probabilidade de uma “estagflação”, isto é, uma situação na qual ocorram, ao mesmo tempo, estagnação econômica (com alto desemprego) e aumento da inflação, é cada vez maior. E sem os devidos cuidados, uma hiperinflação não pode ser descartada.

As projeções de crescimento econômico para este ano e os próximos que se seguem, embora positivas, ainda estão muito aquém das reais necessidades brasileiras, considerando a queda de 4,1% do ano que passou e os pífios resultados obtidos desde 2015. Apenas para entendermos melhor a situação atual, as projeções indicam que somente no início de 2023 o Brasil alcançará, em termos reais, o mesmo PIB de 2014, isto é, nove anos depois. E a renda-per-capita, por outro lado, se assemelhará àquela de 2014 apenas a partir de 2027. 13 anos depois!

Pois é, treze anos ‘estagnados’ e todos mais pobres, com as exceções de sempre, pois de acordo com o Relatório de Riqueza Global de 2021 do Banco Credit Suísse, em 2020 “a fatia detida pelo 1% mais rico da nossa população passou a responder por 49,6% da riqueza total do País, ante os 44,2% de 2000. Em outra pesquisa, agora feita pela FGV Social e publicado pela jornalista e economista Ana Carla Abrão (1), o Índice de Gini, usado para medir concentração de renda, subiu para 0,674 no primeiro trimestre de 2021, batendo um triste recorde histórico” (grifos meus).

Importante ressaltar que o desempenho da economia brasileira só não foi pior em função do setor agropecuário, pois além de ter crescimentos substanciais de produção e produtividade, o setor também se destaca pela excelente contribuição para a melhoria da balança comercial e, até como consequência, da ótima posição na qual se encontram as contas externas brasileiras. A participação do setor agrícola brasileiro, que em 1995 significava 5,79% do PIB, em 2020 passou a 6,83% (Valores agregados IBGE).

Mas isso é muito pouco se considerarmos que o Brasil e os brasileiros almejam, e já há algum tempo, fazer parte da lista dos países mais desenvolvidos.

Analise-se, como exemplo, a indústria nacional, que por falta de políticas públicas específicas, tem diminuído significativamente sua participação na economia brasileira: em 1995 o setor industrial representava 27,0% do PIB e em 2020 apenas 20,4%. Nesse período a média mundial de participação da indústria no PIB aumentou. Dados fornecidos pela Organização das Nações Unidas para o Desenvolvimento Industrial (Unido) indicam que entre 2005 e 2020 a indústria brasileira recuou da 9ª posição para a 14ª, entre as maiores do mundo. Nesse período, a participação da indústria brasileira na indústria mundial saiu de 2,2% para 1,3%. Vale lembrar também, que por estar integrada a quase todas as outras atividades produtivas, a indústria tem um efeito multiplicador significativo na economia e na geração de empregos.

Já o setor de serviços tem aumentado sua participação no total das atividades econômicas em todo o mundo, sendo esse o setor que mais tem gerado empregos. E coincidentemente, “novos” empregos, frutos da evolução tecnológica e da tendência acelerada instalada logo após o advento da pandemia. No Brasil, em 1995, o setor de serviços representava 67,2% do PIB e em 2020 passou a 72,8%.

No que diz respeito à variação de preços, na medição acumulada em doze meses, encerrada em setembro, o índice ficou em 10,25%, isto é, o 3º maior índice de inflação entre os países do G20, ficando atrás apenas da Argentina (51,4%) e da Turquia (19,6%). E ainda com uma triste constatação: a inflação brasileira está disseminada em todos os setores da economia brasileira!

Mesmo considerando as expectativas mais otimistas, de uma inflação próxima dos 8,5% até o final do ano, o percentual ficará bem acima da meta, que é de 3,75%, e do limite de tolerância, 5,25%. A média dos trinta e seis países que compõem a OCDE, prevista para 2021 é de 4,8%. Adicione-se a isso o fato de que o Brasil terá maiores complicações em face da crise energética já instalada. As “contas da luz” ficarão mais caras.

Diante desse quadro, e na falta de Políticas Fiscais (“Ancoragem Fiscal”), o Banco Central continuará agindo e elevando a taxa de juros. Na ata da última reunião do Comitê de Política Monetária do Banco Central do Brasil, ficou claro que há riscos de crescimento da inflação e que será necessário realizar ajustes mais rápidos e/ou mais intensos na Selic (de 2% em 20/01/21, já está em 6,25% desde o dia 23/09). Mais aperto monetário, menor possibilidade de crescimento econômico – e portanto de geração de empregos – e maior dificuldade para equilibrar as contas públicas. Outra informação do BCB: 1% de aumento da dívida pública significa aumento no dispêndio de juros equivalente a R$ 70 bilhões. Haja arrecadação! Haja orçamento público!

Inevitável lembrar também que o câmbio, outro componente importante na formação de preços, além de depender das condições internacionais, recebe fortíssimas influências de fatores internos que, como sabemos, estão muito “instáveis” no Brasil atual.

Uma vez feitas essas observações, vale lembrar a péssima, se não criminosa (2), administração do governo Bolsonaro com relação à pandemia, que ao contrário do que aconteceu na maioria dos países mais desenvolvidos, jamais contribuiu para que a solução do problema fosse minimamente encaminhado e a retomada econômica ocorresse em menor espaço de tempo. Como é sabido, as economias nas quais os programas de combate à pandemia foram mais eficazes, a retomada econômica surgiu mais rapidamente, com correspondente diminuição de pressões sociais e políticas relativas ao tema. Infelizmente não foi e não é o caso do Brasil.

No curto prazo e até que a economia volte a crescer de forma sustentável e os investimentos comecem a gerar seus efeitos multiplicadores, é preciso manter os programas de auxílio emergencial – seja qual for o nome, mas com recursos orçamentários e dentro do teto de gastos – para as famílias mais pobres, carentes e/ou desemparadas, bem como ampliar o sistema de crédito, uma vez que são instrumentos inevitáveis para que se mantenha um mínimo de consumo das famílias e, consequentemente, um alívio na pressão social. Não deve haver dúvida quanto a esse tema e muito menos analisado como “moeda política”.

Infelizmente, com relação a isso, a discussão está muito atrasada, pois os recursos, como já escrito, deveriam ser buscados no próprio orçamento público, e não via contabilidade criativa, furo no teto de gastos, pedalada fiscal ou calote, como parece o caminho a ser trilhado pelo governo. Alguns e substanciais exemplos do que, de fato, poderia ser feito: cortes nos super salários do serviço público (3), nas emendas parlamentares (4), nos fundos partidários e de campanhas (5) e nos diversos subsídios dados pela União (6) cujos retornos são discutíveis. Esses quatro exemplos somados, em 2020, significaram recursos equivalentes a R$ 368 bilhões!

Já para o médio e longo prazos, isto é, para o próximo governo, é fundamental retomar a agenda de reformas, notadamente a tributária (menos impostos e distribuídos mais igualitariamente), do Estado brasileiro (inclui-se a reforma administrativa) e a política (para transformá-la em Política com P maiúsculo). E sempre tendo como principais objetivos o equilíbrio fiscal, a retomada dos investimentos, principalmente em infraestrutura (que infelizmente alcançaram os menores índices dos últimos trinta anos), a geração de empregos, a diminuição da desigualdade e da concentração da renda, a diminuição de privilégios (tanto no setor público como no setor privado), a diminuição da burocracia e a concreta integração do País ao comércio exterior.

O Brasil, ao permitir que a crise econômica perdure por mais tempo, e ao não encaminhar soluções concretas para solucioná-la, corre o risco de perder as conquistas democráticas obtidas após o fim da ditadura militar. Aliás, o que mais ilustra essa afirmação foi o fato de, em um cenário político totalmente polarizado, termos sido obrigados a optar, nas últimas eleições presidenciais, entre o representante de uma esquerda ultrapassada, burra e corrupta, e um representante de uma extrema direita retrógrada, ignorante, rancorosa e também corrupta.

É imprescindível que se estabeleçam bases sustentáveis de um plano que tire o Brasil da “armadilha de país de renda média” e objetive o desenvolvimento econômico e social, no qual setores público e privado desempenham papeis complementares. Com base na inovação, no desenvolvimento tecnológico e científico, nos compromissos com a saúde, a sustentabilidade, a preservação do meio ambiente, a inclusão social e a diminuição da desigualdade.

Talvez seja essa a agenda de futuro, mais do que nomes de candidatos, o principal para que se viabilize uma “uma terceira via”, longe da polarização, do radicalismo e do populismo instalado.

 

(1) “Ricos mais ricos” é o título do artigo de Ana Carla Abrão no Estadão do último dia 29. Relatório de Riqueza Global de 2021 do banco Credit Suisse, a diferença entre ricos e pobres aumentou globalmente, mas veio do Brasil a nota mais negativa. Além de já carregarmos um dos piores níveis de desigualdade de renda do mundo, vimos 2020 piorar o que já era muito ruim. A fatia detida pelo 1% mais rico da nossa população passou a responder por 49,6% da riqueza total do País, ante os 44,2% de 2000. Numa outra nota ruim, a FGV Social mostrou que o Índice de Gini, usado para medir concentração de renda, cresceu para 0,674 no primeiro trimestre de 2021, batendo um triste recorde histórico.

(2) Parecer elaborado por advogados contratados pela Comissão Parlamentar de Inquérito do Senado Federal com relação a atuação do governo federal que, sem quaisquer dúvidas, opinou “pela existência de farto material probatório produzido pela CPI, capaz de ensejar a necessária responsabilidade criminal dos gestores públicos e dos agentes privados no tratamento da política estatal de combate à pandemia do Covid-19”. Ao elencar diversos tipos de crimes, os advogados não tiveram dúvidas: “O que restou evidente até o momento da conclusão dos trabalhos da comissão de especialistas é a ocorrência de uma gestão governamental deliberadamente irresponsável e que infringe a lei penal (grifos meus), devendo haver pronta responsabilização”. E mais: “Não se trata, apenas, de descumprimento de deveres por parte dos gestores públicos, mas, também, da recusa constante do conhecimento científico produzido ao longo do enfrentamento da pandemia do Covid-19”;

(3) O jornalista Lauriberto Pompeu (Estadão de 02/10/21), baseando-se em estudo feito pelo Centro de Liderança Pública (CLP) a respeito dos impactos gerados pelo atraso da aprovação do projeto que limita super salários no serviço público, relatou que cerca de R$ 213 milhões por mês, em média, são gastos a mais para pagar a parte dos salários que estão acima do limite vigente. E como essa quantia deixou de ser economizada desde dezembro de 2016, pois ainda se encontra em discussão na CCJ (Comissão de Constituição e Justiça) do Senado, a estimativa é a de que, em um governo que acumula déficits seguidos nas contas públicas, indevidamente foram gastos quase R$ 13 bilhões!

(4) As Emendas Parlamentares, de acordo com o Portal da Transparência, considerando somente os valores realmente pagos foram os seguintes: 2017, R$ 2,24 bilhões; 2018, R$ 5,12 bilhões; 2019, R$ 5,74 bilhões; 2020, R$ 16,11 bilhões; e 2021, até setembro, R$ 9,71 bilhões.

(5) Segundo o TSE (Tribunal Superior Eleitoral), os totais efetivamente distribuídos na rubrica “Fundo Especial de Financiamento de Campanha”, foram os seguintes: 2018, R$ 1,7 bilhão; e 2020, R$ 2,0 bilhões. Para 2022 foram orçados R$ 5,7 bilhões, mas vetados pelo presidente Bolsonaro. Até dezembro deste ano, até para ser colocado no orçamento, um novo valor deverá ser aprovado. Já com relação ao Fundo Partidário, os valores distribuídos em 2020 alcançaram R$ 837 milhões e em 2021, até setembro, R$ 661 milhões.

(6) Os subsídios dados pela União, em 2018, foram de R$ 314,2 bilhões, em 2019, R$ 359,6 bilhões e em 2020, R$ 346,6 bilhões. Cerca de 4,9% do PIB.

(7) Infelizmente os investimentos em infraestrutura, que vêm diminuindo desde a década de 70 do século passado, agora em 2020 representaram apenas 1,55% do PIB, equivalentes a R$ 115,8 bilhões, contra R$ 122,4 bilhões em 2019. A média percentual de investimentos, com relação ao PIB na década de 1970 foi de 5,42% e na década seguinte, 3,62%. É preciso, pois, que o governo mantenha níveis mínimos de investimentos e adote políticas de incentivo ao investimento privado. “Investimentos públicos e privados para melhoria da infraestrutura brasileira: fundamentais e imprescindíveis”, foi o título de artigo publicado em agosto de 2018 nos sites da Tecnologística e do Guia do TR.

Paulo Roberto Guedes Paulo Roberto Guedes

Formado em ciências econômicas (Universidade Brás Cubas de Mogi das Cruzes) e mestre em administração de empresas (Escola de Administração de Empresas de São Paulo/FGV). Professor de logística em cursos de pós-graduação na FIA (Fundação Instituto de Administração), ENS (Escola Nacional de Seguros) e FIPECAFI (Fundação Instituto de Pesquisas Contábeis, Atuariais e Financeiras). Membro do Conselho Consultivo da ABOL – Associação Brasileira de Operadores Logísticos, da qual também foi fundador. Membro do Conselho de Administração da ANHUMAS Corretora de Seguros. Diretor de Logística do CIST – Clube Internacional de Seguro de Transporte. Consultor Associado do escritório de Nelson Faria Advogados. Consultor empresarial e palestrante nas áreas de planejamento estratégico, economia e logística. Articulista de diversas revistas e sites, tem mais de 180 artigos publicados. Exerceu cargos de direção em diversas empresas (Veloce Logística, Armazéns Gerais Columbia, Tegma Logística Automotiva, Ryder do Brasil e Cia. Transportadora e Comercial Translor) e em associações dos setores de logística e de transporte (ABOL – Assoc. Brasileira de Operadores Logísticos, NTC&L – Assoc. Nacional do Transporte de Cargas e Logística, ANTV – Assoc. Nacional dos Transportadores de Veículos, ABTI – Assoc. Brasileira de Transp. Internacional e COMTRIM – Comissão de Transporte Internacional da NTC&L). Exerceu cargos de consultoria e aconselhamento em instituição de ensino e pesquisa (Celog-Centro de Excelência em Logística da FGV), de empresas do setor logístico (Veloce, Columbia Logística, Columbia Trading, Eadi Salvador, Consórcio ZFM Resende, Ryder e Translor) e de instituição portuária (CAP-Conselho de Autoridade Portuária dos Portos de Vitória e Barra do Riacho do Espírito Santo). Lecionou em cursos de pós-graduação na área de Logística Empresarial na EAESP/FGV (Escola de Administração de Empresas de São Paulo da Fundação Getúlio Vargas) e em cursos de graduação de economia e administração de empresas em diversas faculdades (FAAP-Fundação Armando Álvares Penteado, Universidade Santana, Faculdades Ibero Americana e Universidade Brás Cubas). Por serviços prestados à classe dos Economistas, agraciado com a Medalha Ministro Celso Furtado, outorgada pelo Conselho Regional de Economia de São Paulo.

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