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Conteúdo 18 de janeiro de 2021

Quando se tem propósitos, espírito público e conhecimento, mesmo em governos ruins é possível realizar algo de bom

No mês de janeiro de 2019, início do governo atual, escrevi artigo a respeito da criação do Ministério da Infraestrutura (1), cujo titular, já empossado, era (e ainda é) o Sr. Tarcísio Gomes de Freitas, engenheiro civil e ex-diretor do DNIT – Departamento Nacional de Infraestrutura e Transporte (2).

Nos comentários que fiz, também observei que “não há qualquer dúvida que, num prazo mais longo, o desenvolvimento e o crescimento econômicos somente poderão ser alcançados e sustentados quando as condições econômicas e sociais possibilitarem investimentos significativos e eficazes, em projetos e programas que tenham como objetivo o aumento da produtividade dos fatores de produção. E se em épocas de crise, como a do Brasil atual, já é preciso priorizar investimentos em educação, saúde e segurança, investir em infraestrutura também passou a ter importância fundamental. Investimentos voltados à infraestrutura de uma forma geral (saneamento, energia, telecomunicação e transporte) e ao transporte multimodal em particular”.

A população em geral, sem dúvida, tem razões de sobra para lamentar os efeitos deletérios que a falta de investimentos em saneamento e energia propiciam a ela. E quem trabalha em logística, por exemplo, sabe quais são os inúmeros impactos negativos no exercício da atividade, provenientes de uma infraestrutura de transporte insuficiente e de baixa qualidade como a brasileira.

A pandemia do Covid-19, que tantos males tem causado a todo o mundo, pelo menos “realizou o favor” de colocar esses assuntos muito mais em pauta do que se via até então, principalmente no caso do Brasil. Já era o momento!

No artigo citado, através de uma breve abordagem sobre as diversas causas do “atraso logístico” brasileiro, comparando-se não só com relação aos países mais desenvolvidos ou emergentes do mundo, mas também com relação ao seu próprio desempenho anterior, constata-se o triste fato de que o Brasil, nos últimos 20 anos, investiu muito pouco em infraestrutura (3), não conseguindo, inclusive, suprir a depreciação natural. O resultado, como demonstram diversos estudos de Cláudio R. Frischtak e João Mourão (4), foi uma terrível queda no estoque de infraestrutura. O estoque total de infraestrutura (saneamento, energia, telecomunicação e transporte), equivalente a 58,2% do PIB em 1983, ficou próximo dos 36% em 2016. O estoque de infraestrutura em transporte, que era de 21,4% do PIB em 1983, alcançou pouco mais de 12% em 2016.

Sempre ficou muito claro que diversos problemas – confusão funcional dos diversos órgãos que discutem e “planejam” a infraestrutura logística e o transporte no país; desconexão das políticas públicas em suas diversas esferas e destas com as demais áreas envolvidas; politização dos cargos nas agências reguladoras, nos ministérios e nos departamentos técnicos especializados no assunto; indefinições com respeito aos marcos legais e regulatórios; fragmentação dos núcleos de gerenciamento; e falta de políticas claras de investimentos, de participação do setor privado e garantias correspondentes – têm complicado ainda mais a realização de serviços logísticos mais eficazes.

Com as exceções de sempre, a forma como a infraestrutura de transporte tem sido tratada pelos governos que passam, e considerando que o setor ainda carece de verdadeiros líderes (menos míopes e mais comprometidos com os reais interesses do setor e do Brasil), vem indicando, de forma inequívoca, que o encaminhamento de soluções para os problemas do setor, já há algum tempo, tem sido postergado para o futuro. A concreta e real queda dos níveis de investimentos previstos e realizados demonstram isso.

Muita esperança se depositou quando em 2001 foi criado o CONIT (Conselho Nacional de Integração de Políticas de Transporte vinculado diretamente à Presidência da República), assim como em 2012, quando se criou a EPL (Empresa de Planejamento Logístico). Infelizmente esses dois órgãos, juntamente com outra dezena de intervenientes, pouco puderam fazer e a esperança deu lugar a mais dúvidas e incertezas.

Já em meados do mês de março, também do ano de 2019, em duas partes, escrevi um outro artigo: “Sem exageros ideológicos, respeitando a Constituição e a Democracia, agora já é momento de governar”. Na parte II do artigo, publicado dia 25.03.2019 no site do Guia do TRC, eu já criticava a inoperância do governo e destacava o fato de que Bolsonaro mantinha sua administração baseada em apenas seis pessoas. Com protagonismos diferentes, somente essas seis pessoas teriam condições de fazer o governo funcionar e passar credibilidade aos mercados, interno e externo, e à toda a Nação. Eles poderiam, inclusive, “tutelar” Bolsonaro e alguns dos principais auxiliares do presidente, para não cometerem “muita besteira”.

As seis pessoas citadas à época: a) Ministro Paulo Guedes, que seria responsável pela necessária e imprescindível elaboração de um plano que reestruturasse toda a economia, colocada “no chão” pelos desmandos Dilmistas; b) Ministro Sergio Moro, talvez o maior representante da população brasileira no combate à corrupção, ao crime organizado e à insegurança; c) Ministra Tereza Cristina, que à frente da pasta da Agricultura precisaria liderar o setor rural para manter a produção, a produtividade e o desempenho do setor, indiscutivelmente aquele que mais tem contribuído para os superávits de nossa balança comercial e controle dos preços dos alimentos; d) Ministro da Infraestrutura, Tarcísio Gomes de Freitas, pois, além de conhecer do assunto, sempre soube que grande parte da não competitividade do produto brasileiro e do chamado “custo Brasil” tem origem na precariedade da infraestrutura logística; e e) os generais Hamilton Mourão e Augusto Heleno, fiadores militares do governo, o primeiro respondendo pela Vice-Presidência da República e o segundo pelo Gabinete de Segurança Institucional.

Pois é, passados dois anos de desgoverno, a lista de seis ministros, segundo minha opinião, ficou resumida a apenas dois: Tarcísio G. de Freitas e Tereza Cristina. O segundo nome porque conseguiu manter sua pasta funcionando a bem do Brasil e, diretamente, dos brasileiros. Apesar do Presidente Bolsonaro e do péssimo desempenho do Ministério do Meio Ambiente, que afeta a atividade de forma objetiva e direta, o setor agrícola tem evoluído irrepreensivelmente e digno de elogios.

Já o Ministro Tarcísio, ao absorver as atividades de cada um dos órgãos a ele vinculados no novo Ministério da Infraestrutura, entre outros afazeres, procurou cuidar das políticas nacionais de transportes (em todos os seus modais) e de trânsito, e formular políticas e diretrizes para o desenvolvimento, fomento avaliação de medidas, programas e projetos de apoio à infraestrutura e superestrutura pertinentes, inclusive com avanços significativos nas “regulamentações”, como foi o caso no Novo Marco Regulatório do Saneamento Básico (5). Exercendo as atividades da EPL (até então “estagnada”) e aproveitando-se de tudo o que já estava em andamento, principalmente do “impulso” dado nos dois anos do governo Temer, procurou planejar e definir as prioridades dos programas de investimentos em logística e transporte.

Vale ressaltar, sempre de forma integrada aos demais órgãos de governo e com atenções especiais para a mobilidade urbana, a acessibilidade e à proteção do meio ambiente. Lembrete: já estão a caminho, e com aprovações junto ao Congresso, outras providências importantíssimas: a) desburocratização dos portos públicos; b) novo marco das ferrovias; c) projeto BR do Mar (navegação de cabotagem).

De fato, mesmo tendo opiniões para todos os gostos – favoráveis ou não –, a decisão de unificação das atividades em um só Ministério e a atuação do Ministro tem facilitado a desburocratização e maior integração das medidas pertinentes. Carece ainda, a meu ver, fazer com que as agências reguladoras (6) desempenhem um papel mais inovador e adaptado à nova realidade que se apresenta, operacionalmente cada vez mais complexa e exigindo novas relações com as concessionárias, que precisam oferecer, sem dúvida, maior qualidade nos serviços prestados e preços justos e corretos (7). Aqui, ao que parece, os obstáculos se devem muito mais às indevidas intervenções da Presidência da República, mas não só, que mantém a indesejável política de “aparelhamento” dessas agências (8).

Como escreveu o Estadão, em texto aqui já citado, “ao longo de dois anos, o Ministério firmou uma reputação de ‘oásis’ ou ‘ilha de excelência’ no governo”. Não é pouco, sabendo-se a que governo esse Ministério pertence.

Portanto, se algumas das tendências mundiais dos próximos anos se confirmarem (aumentos nas demandas por energia, alimentos e infraestrutura social, impacto crescente da tecnologia nos processos produtivos, na vida e no comportamento do cidadão, processos produtivos mais avançados, maior urbanização, necessidade de se buscar maior equilíbrio ambiental e maiores exigências por segurança), bem como maiores cuidados com a saúde das pessoas e da sociedade de uma forma geral, será fundamental que o Ministério da Infraestrutura continue engajado em uma frente de trabalho que dê ao País uma infraestrutura moderna e de maior qualidade, contribuindo direta e efetivamente para a diminuição do custo Brasil e aumento da competitividade do produto brasileiro. Mas muito mais do que isso, posto que também contribuirá para diminuir tensões sociais e a própria desigualdade, na medida em que além de menores custos na produção e na movimentação de pessoas e mercadorias, também viabilizará operações logísticas mais ágeis e abrangentes.

(1) Decreto nº 9.660/2019, publicado no Diário Oficial da União do dia 02.01.19, subordinou a ANTAQ (Agência Nacional de Transportes Aquaviários), a ANAC (Agência Nacional da Aviação Civil), a ANTT (Agência Nacional de Transportes Terrestres), a EPL (Empresa de Planejamento e Logística), a INFRAERO (Empresa Brasileira de Infraestrutura Aeroportuário) e o DNIT (Departamento Nacional de Infraestrutura de Transportes), ao Ministério da Infraestrutura;

(2) Tarcísio Gomes de Freitas, servidor de carreira na Controladoria-Geral da União, já atuou como consultor legislativo na Câmara dos Deputados, no Departamento Nacional de Infraestrutura (governo Dilma Rousseff) e na Secretaria Especial do Programa de Parcerias de Investimentos (governo Temer);

(3) Dados fornecidos pela InterB Consultoria, de Claudio Frischtak: Investimentos em infraestrutura total entre 1970 e 1980 = 6,3%; entre 1981 e 1990 = 3,1%; entre 1991 e 2000 = 2,12%; entre 2001 e 2010 = 1,96%; em 2010 = 2,3%; em 2020 = 1,77%;

(4) “Uma estimativa do Estoque de Capital de Infraestrutura no Brasil” – Cláudio Frischtak e João Mourão. Trabalho preparado para o IPEA (“Desafios da Nação”) em 22.08.17.

(5) A aprovação do Novo Marco Regulatório do Saneamento Básico, além de ser um belo exemplo de avanço na regulação e desburocratização de processos, ainda ajuda para o sucesso dos processos de leilões e outorgas. O editorial do Estadão do último dia 3 (“Exemplo de administração”) faz comentários precisos a respeito: “arrecadação de R$ 87,5 milhões somente com as outorgas de quatro terminais portuários em Alagoas, Bahia e Paraná”. “Só em 2019, foram 27 leilões de concessão: 13 terminais portuários, 1 trecho da Ferrovia Norte-Sul, 2 rodovias e 12 aeroportos”;

“Investimento do setor privado em saneamento ganha impulso após aprovação do novo marco legal” (Estadão de 05/01/21): reportagem do Estadão, de Amanda Pupo, e segundo dados da Associação Brasileira de Infraestrutura e Indústrias de Base, mostra que com os Estados e Municípios iniciando projetos para atrair parceiros privados em serviços de saneamento básico (distribuição e tratamento de água e esgoto e gestão de resíduos sólidos), já há previsão para investimentos de R$ 60 bilhões. A necessidade de investimentos, entretanto, chega aos R$ 700 bilhões, segundo a mesma reportagem.

(6) Como se sabe, as agências reguladoras criadas como autarquias (órgãos da administração pública indireta que tem personalidade jurídica própria e que desempenham funções do Estado), de forma descentralizada, podem atuar em todas as esferas de governo. Embora fiscalizadas e subordinadas ao Estado, executam serviços que interessam a toda a sociedade. Geralmente tem atribuições especiais com objetivos de fiscalizar ou regulamentar profissões, associações públicas ou atividades específicas), são responsáveis pela autorização (outorga ou permissão), regulação, fiscalização e controle (com poder de “desautorizar”) da prestação dos serviços públicos voltados ao transporte de passageiros e de cargas, nos modais específicos a cada uma delas.

Aliás como já está proposto no próprio PNL (Plano Nacional de Logística – Cenário para 2025) elaborado pela EPL (Empresa de Planejamento e Logistica), cujos principais objetivos são: “identificar e propor, com base no diagnóstico de infraestrutura de transportes, soluções que propiciem condições capazes de incentivar a redução dos custos, melhorar o nível de serviço para os usuários, buscar o equilíbrio da matriz, aumentar a eficiência dos modos utilizados para a movimentação das cargas e diminuir a emissão de poluentes”.

(7) Fruto da recessão causada pela pandemia, caiu de forma drástica o faturamento das concessionárias de infraestrutura, motivo pelo qual elas veem reivindicando reajuste de tarifas e/ou de contratos. As concessionárias de aeroportos, por exemplo, são aquelas que mais tem reclamado. E não é para menos. Parece claro, portanto, que buscar o equilíbrio econômico desses contratos, em face da brusca e vertiginosa queda de demanda pelos serviços prestados por essas concessionárias, é objetivo importante, pois pode ameaçar, inevitavelmente, novos investimentos no setor;

(8) Segundo o Estadão (05/01/21, jornalista Anne Warth), o Palácio do Planalto teria responsabilizado o ministro Tarcísio de Freitas, pela indicação, para a diretoria da ANTT (Agência Nacional de Transportes Terrestres), do funcionário que trabalha para o senador Rodrigo Pacheco (DEM-MG). E de acordo com a Secretaria Geral da Presidência da República, o nome indicado não “cumpre os requisitos previstos em lei para exercer o cargo”.

Paulo Roberto Guedes Paulo Roberto Guedes

Formado em ciências econômicas (Universidade Brás Cubas de Mogi das Cruzes) e mestre em administração de empresas (Escola de Administração de Empresas de São Paulo/FGV). Professor de logística em cursos de pós-graduação na FIA (Fundação Instituto de Administração), ENS (Escola Nacional de Seguros) e FIPECAFI (Fundação Instituto de Pesquisas Contábeis, Atuariais e Financeiras). Membro do Conselho Consultivo da ABOL – Associação Brasileira de Operadores Logísticos, da qual também foi fundador. Membro do Conselho de Administração da ANHUMAS Corretora de Seguros. Diretor de Logística do CIST – Clube Internacional de Seguro de Transporte. Consultor Associado do escritório de Nelson Faria Advogados. Consultor empresarial e palestrante nas áreas de planejamento estratégico, economia e logística. Articulista de diversas revistas e sites, tem mais de 180 artigos publicados. Exerceu cargos de direção em diversas empresas (Veloce Logística, Armazéns Gerais Columbia, Tegma Logística Automotiva, Ryder do Brasil e Cia. Transportadora e Comercial Translor) e em associações dos setores de logística e de transporte (ABOL – Assoc. Brasileira de Operadores Logísticos, NTC&L – Assoc. Nacional do Transporte de Cargas e Logística, ANTV – Assoc. Nacional dos Transportadores de Veículos, ABTI – Assoc. Brasileira de Transp. Internacional e COMTRIM – Comissão de Transporte Internacional da NTC&L). Exerceu cargos de consultoria e aconselhamento em instituição de ensino e pesquisa (Celog-Centro de Excelência em Logística da FGV), de empresas do setor logístico (Veloce, Columbia Logística, Columbia Trading, Eadi Salvador, Consórcio ZFM Resende, Ryder e Translor) e de instituição portuária (CAP-Conselho de Autoridade Portuária dos Portos de Vitória e Barra do Riacho do Espírito Santo). Lecionou em cursos de pós-graduação na área de Logística Empresarial na EAESP/FGV (Escola de Administração de Empresas de São Paulo da Fundação Getúlio Vargas) e em cursos de graduação de economia e administração de empresas em diversas faculdades (FAAP-Fundação Armando Álvares Penteado, Universidade Santana, Faculdades Ibero Americana e Universidade Brás Cubas). Por serviços prestados à classe dos Economistas, agraciado com a Medalha Ministro Celso Furtado, outorgada pelo Conselho Regional de Economia de São Paulo.

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