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Conteúdo 22 de fevereiro de 2021

Desafios para os profissionais de logística neste momento de grandes incertezas

A partir do momento do surgimento da pandemia e da tomada de providências voltadas ao isolamento social, imprescindível, diga-se de passagem, era inevitável que houvesse queda na produção em todo o mundo. Assim, era esperado que as empresas, inicialmente, tivessem como única preocupação a sua própria sobrevivência. Mas é essencial, agora, planejar o futuro e repensar os negócios.

Temas voltados à governança corporativa, à inovação (1), à sustentabilidade, ao meio ambiente e à prevenção de riscos já faziam parte das agendas de todos, assim como as discussões a respeito das consequências – positivas e negativas – que o avanço tecnológico gerava. Porém, com a pandemia, tudo se complicou (2) e essas discussões passaram a ter prioridade máxima.

Não há dúvidas, as cadeias produtivas, as relações comerciais, as formas de contratação etc., serão alteradas e obrigarão os empresários a analisarem, com base em perspectivas futuras, ainda bastante desconhecidas e incertas, como continuar atendendo seus clientes com qualidade e de forma competitiva e ainda atender satisfatoriamente os “stakeholders”.

Já há um conjunto enorme de questões que dizem respeito à evolução e ao comportamento daquilo que se convencionou chamar de “o novo normal”. Tudo precisará ser analisado à luz dos novos acontecimentos e impactos correspondentes. Estarão os consumidores, por exemplo, querendo saber se a fabricação dos produtos adquiridos contribui com a natureza e o meio ambiente? É o momento de se adquirir produtos mais naturais? E os usuários do transporte coletivo, estarão dispostos a enfrentar as aglomerações de sempre? Será conveniente, nos deslocamentos casa/trabalho/casa, utilizar outros modais de transporte?

Muitas pesquisas, principalmente com relação à Europa, indicam que muitas cidades estão elaborando planos de mobilidade nos quais são privilegiadas as caminhadas e o ciclismo. Muitas dessas cidades já estão transformando ruas que eram só para automóveis em ruas de tráfego exclusivo para pedestres e ciclistas. E não só para o período de pandemia. Diversas outras pesquisas têm indicado que grande parte dos consumidores, no ápice da pandemia, direcionou suas compras para produtos “mais essenciais” e que, em face das circunstâncias, manterá a mesma postura no futuro (3). Esses novos sinais precisam ser compreendidos e devidamente analisados.

Questões relativas à segurança e às condições de trabalho dos empregados também são colocadas à mesa e discutidas, pois é preciso saber se as empresas estarão preparadas para prováveis “segundas ondas” e com a possibilidade de aumento na frequência de pandemias, desta ou quaisquer outras. Inclusive com novas necessidades de isolamento social.

As dúvidas e as incertezas são imensas, sendo fundamental – por mais incerto que esteja o futuro – vislumbrar e desenhar cenários, única forma a se permitir a elaboração de estratégias empresariais claras, transparentes e que facilitem a adoção de providências ágeis e eficazes. O planejamento, que já era importante antes, agora é fundamental, posto que todos precisarão conhecer os diversos cenários que se apresentam e compreender profundamente as estratégias desenvolvidas, implementadas ou em implementação, com clareza e transparência, único caminho para se construir processos ágeis e eficazes de tomada de decisão nos quais todos participem.

Inevitavelmente, diante dessa realidade, e por não se saber por quanto tempo, e como, ainda durará esse período de exceção, o nível de incertezas aumentou. E mesmo com efeitos, tempos de duração e recuperação diferentes, dependendo da região, do segmento econômico atingido ou do governo de plantão, os impactos ocorrerão, mesmo que de forma diferente, sobre todos os setores da sociedade (4).

No setor logístico não é diferente. Guardadas as devidas proporções, se as recomendações gerais são as mesmas, providências específicas precisarão ser tomadas, notadamente com relação às grandes metrópoles, nas quais temas como mobilidade e combate à poluição, por exemplo, já estão postos. E não há dúvidas que os Operadores Logísticos precisarão investir cada vez mais, como forma de dar às suas atividades, em especial aqui no Brasil, competitividade bem maior do que a atual.

Sem dúvida, o avanço e o desenvolvimento da tecnologia voltada à comunicação e à informação criaram facilidades extraordinárias e permitiram ao consumidor, além de acesso simplificado às compras via e-commerce, tornar-se “digital”, mais bem informado, objetivo, racional e extremamente exigente quanto aos serviços e produtos a serem adquiridos. Saber exatamente o que quer, que preço pagar, em que prazo receber etc. já são características da grande maioria dos consumidores atuais. O mesmo ocorrendo com as empresas, pois práticas anteriormente circunscritas a um número limitado de empresas mais “avançadas”, passaram a ser de domínio de quase todo o mercado.

Portanto, sem deixar de realizar as atividades já consagradas da logística (controle de estoques, gestão de armazém, administração do giro de estoque, otimização operacional, racionalização de rotas, administração otimizada de caminhoneiros autônomos, segurança e rapidez no transporte, maior eficiência no rastreamento da frota, melhor utilização dos recursos disponíveis, eficaz programa de gerenciamento de riscos e cobertura de seguro, eficiente sistema de informações e controle, por exemplo), agora também é momento de pensar e agir estrategicamente. E de forma holística.

Se já era necessário saber identificar os possíveis momentos de ruptura, agora com a probabilidade de serem mais frequentes, isso se transformou em atividade primordial do profissional de logística, pois a quebra em qualquer um dos elos que compõem a cadeia de abastecimento, além dos prejuízos já conhecidos, será muito mais difícil de “consertar”. A instalação de operações mais “resilientes” se faz necessária.

Há inúmeros estudos propondo ações para que se diminuam os impactos (5) da pandemia nas atividades logísticas. Sem querer esgotar o assunto, limito-me a citar alguns que entendo como principais:

a) sem que se comprometa o tempo da ação, obter diagnósticos realistas;
b) ter todas as informações possíveis para poder projetar demandas, mais do que possíveis, prováveis;
c) conhecer profundamente a cadeia logística na qual a empresa está inserida, bem como os demais atores da mesma;
d) através de processos transparentes, envolver os empregados, inclusive terceiros, nos processos de estudo e de proposta de soluções;
e) desenvolver e instalar programas de gerenciamento de riscos e de contração de seguros compatíveis, e sempre sob uma ótica estratégica e abrangente;
f) desenhar planos de emergência;
g) avaliar corretamente a capacidade operacional vis-à-vis as exigências e necessidades dos clientes e a infraestrutura disponível;
h) avaliar a capacidade financeira da empresa, de forma a compatibilizá-la às necessidades operacionais e empresariais previstas.

À luz dos novos acontecimentos, das circunstâncias atuais e de futuro, algumas conhecidas e aqui relatadas, e outras nem tanto, as empresas precisarão reelaborar seus planos de negócios e contemplar mais de um cenário. Nesse particular, instalar o planejamento estratégico torna-se mandatório, pois estabelecer uma direção, mesmo que com bastante flexibilidade, é essencial. Ao se repensar e redesenhar novas cadeias de suprimentos, é fundamental identificar e avaliar riscos e buscar soluções antecipadas, principalmente neste momento. Manter equipes especializadas para acompanhamento e controle, de forma tal em que se possa identificar, com rapidez, falhas possíveis e suas respectivas soluções, e elaborar programas de melhoria contínua consistentes e realistas também parecem ser fundamentais.

Parece óbvio, pois, que a logística de uma forma geral, e as operações logísticas em particular, precisarão ser reanalisadas e, se necessário, redesenhadas, de forma a se adaptarem, assim como a atuação dos diversos atores envolvidos, sejam eles usuários, operadores e/ou prestadores dos serviços logísticos. Estar preparado para identificar, através de diagnósticos corretos e realistas, e atuar com rapidez em momentos de ruptura – agora com maior frequência – será fundamental, pois qualquer quebra em qualquer um dos elos que compõem a cadeia de abastecimento, além dos prejuízos já conhecidos, será, agora, muito mais difícil de “consertar”.

Se ao governo cabe estabelecer regras para melhoria do funcionamento da logística, bem como para melhoria e expansão da infraestrutura logística, caberá aos executivos e profissionais do setor, além de tudo o que aqui já foi escrito, ter postura mais crítica, pensar e agir mais estrategicamente, capacitar-se para trabalhar de qualquer parte do mundo, em ambientes cada vez mais digitais, e adquirir habilidades que os permitam vislumbrar cenários futuros, de maior pressão e mudanças constantes. Compreender a logística, até pela sua própria essência, como instrumento estratégico de fundamental importância é essencial.

Resumindo, é preciso que os executivos e profissionais de logística comecem a pensar e agir “fora da caixinha” e buscar a inovação. Além da competência, da crença na Democracia e no mercado competitivo (sem recorrer de forma automática ao governo sempre que estiver em dificuldade), é preciso compreender a logística em sua essência, isto é, em sua importância estratégica. Criar condições para manter seus funcionários e fornecedores em contínuo processo de capacitação, criar ambientes voltados à inovação e ao desenvolvimento tecnológico, estabelecer propósitos que deem “significado” a todos eles e compreender a responsabilidade social de suas empresas são objetivos a serem buscados e alcançados. E rápido!

 

(1) Embora esses temas sejam muito discutidos na atualidade, o Brasil ainda deixa muito a desejar quando se avalia sua capacidade de inovar. A Organização Mundial da Propriedade Intelectual, em parceria que a Universidade Cornell, dos EUA e o Insead (Instituto Europeu de Administração de Empresas), ao elaborarem o ranking do Índice Global de Inovação de 2020, quando foram analisados 131 países, classificou o Brasil na 62ª colocação (era 64ª em 2018).

O estudo também demonstrou que um dos principais problemas está ligado à baixa eficácia dos programas desenvolvidos no País. A relação esforços realizados por resultados obtidos não é das melhores e o próprio BNDES, em estudo específico (“Inovar é preciso: situação atual, desafios e perspectivas da inovação no Brasil”, estudo elaborado por Antonio Marcos Ambrósio, Filipe Lage de Souza, Luciano Machado e Sergio Guimarães Ferreira, publicado no site do BNDES em 28/05/2019), relata que “não temos uma posição de destaque nas dimensões que podem ser entendidas como resultado do esforço de pesquisa”.

Infelizmente, mesmo tendo um razoável aumento na quantidade de empresas que receberam apoio e recursos financeiros do Governo Federal com essa finalidade, isso não tem se traduzido em real elevação das taxas de inovação. Segundo o estudo do BNDES, o percentual de firmas industriais que inovaram em processos ou produtos, entre 2005 e 2014 cresceu apenas três pontos percentuais, de 33,4% para 36,4%, evidenciando-se, portanto, que há outros problemas a serem resolvidos, além da necessidade de se direcionar mais recursos para essa finalidade. E a falta de mão-de-obra qualificada é um dos “outros” problemas identificado.

(2) Com o advento da pandemia, tudo se complicou e outras prioridades foram adicionadas às agendas de empresários e executivos, sendo que o cuidado com a saúde das pessoas e a melhoria do ambiente de trabalho se impuseram como objetivos inquestionáveis. E não só por ser uma necessidade de momento, de caráter humanitário, mas também por ser o caminho mais rápido para levar as empresas à correta retomada de suas atividades, uma vez diminuído os impactos negativos da pandemia.

(3) Em entrevista realizada dia 14 pp, pela jornalista Marina Filippe, da revista Exame, Kristina Rogers, especialista mundial de consumo da EY, disse que em pesquisa realizada, 25% dos entrevistados disseram que agora prestam “mais atenção no que consome e o impacto que isso tem”. E, para esses, “perceber o quanto foi economizado durante a pandemia ao priorizar apenas a compra de itens essenciais pode refletir drasticamente nas indústrias”. As pessoas não só estão deixando de sair, com também estão deixando de comprar e quando compram, fazem isso de forma muito mais seletiva.

(4) Pesquisa da FGV/IBRE de abril de 2020 perguntou a respeito da expectativa de tempo no qual haverá impactos diretos oriundos da pandemia e, pós-crise, qual o tempo para se recuperar: na indústria, a média foi de 4,6 meses e 5,3 meses respectivamente; no setor de serviços, 4,7 e 6,1; no comércio, 4,1 e 6,3; e no setor de construção, 4 meses e 5,8 meses. Já, para o segmento de construção de edifícios residenciais, as respostas foram: 4,7 meses e 6,5 meses respectivamente; no comércio de tecidos, vestuário e calçados, 4,7 e 6,5; no setor de outros equipamentos de transporte, 6,8 e 7,2; e nos serviços imobiliários, 8 e 8,5 meses.

Essa mesma pesquisa também perguntou a respeito dos efeitos – positivos ou negativos – da pandemia na economia brasileira, de acordo com o segmento econômico analisado: 19% dos supermercados, 16,2% da indústria de papel e celulose, 8,5% das atividades voltadas a obras de instalação e 6,3% do serviços de audiovisuais, de edição e agentes de notícias, tiveram impactos considerados positivos. Enquanto isso, 100% da construção voltada às obras de acabamento, 87,2% de indústria de vestuário, 75% dos serviços de alojamento e 64,9% do comércio de tecidos, vestuário e calçados, tiveram impactos negativos;

(5) Webinar da McKinsey, de 08/06/20, com a participação de Brian Gregg e Kelly Ungerman, para discutir a respeito de formas de recuperação rápida das empresas e como será possível “acelerar o crescimento e ganhar agilidade” nas operações pós-pandemia, concluiu que “as empresas devem considerar fazer um esforço deliberado para olhar além dos desafios e questões imediatas que a crise cria. Isso significa não apenas planejar o período de recuperação que provavelmente começará quando os negócios reabrirem, os consumidores retomarão mais de suas atividades habituais e exigirão retornos, mas também se envolverão no planejamento de longo prazo para o “próximo normal”. Isso poderá, inclusive, obrigar que algumas empresas criem equipes dedicadas de planejamento.

Paulo Roberto Guedes Paulo Roberto Guedes

Formado em ciências econômicas (Universidade Brás Cubas de Mogi das Cruzes) e mestre em administração de empresas (Escola de Administração de Empresas de São Paulo/FGV). Professor de logística em cursos de pós-graduação na FIA (Fundação Instituto de Administração), ENS (Escola Nacional de Seguros) e FIPECAFI (Fundação Instituto de Pesquisas Contábeis, Atuariais e Financeiras). Membro do Conselho Consultivo da ABOL – Associação Brasileira de Operadores Logísticos, da qual também foi fundador. Membro do Conselho de Administração da ANHUMAS Corretora de Seguros. Diretor de Logística do CIST – Clube Internacional de Seguro de Transporte. Consultor Associado do escritório de Nelson Faria Advogados. Consultor empresarial e palestrante nas áreas de planejamento estratégico, economia e logística. Articulista de diversas revistas e sites, tem mais de 180 artigos publicados. Exerceu cargos de direção em diversas empresas (Veloce Logística, Armazéns Gerais Columbia, Tegma Logística Automotiva, Ryder do Brasil e Cia. Transportadora e Comercial Translor) e em associações dos setores de logística e de transporte (ABOL – Assoc. Brasileira de Operadores Logísticos, NTC&L – Assoc. Nacional do Transporte de Cargas e Logística, ANTV – Assoc. Nacional dos Transportadores de Veículos, ABTI – Assoc. Brasileira de Transp. Internacional e COMTRIM – Comissão de Transporte Internacional da NTC&L). Exerceu cargos de consultoria e aconselhamento em instituição de ensino e pesquisa (Celog-Centro de Excelência em Logística da FGV), de empresas do setor logístico (Veloce, Columbia Logística, Columbia Trading, Eadi Salvador, Consórcio ZFM Resende, Ryder e Translor) e de instituição portuária (CAP-Conselho de Autoridade Portuária dos Portos de Vitória e Barra do Riacho do Espírito Santo). Lecionou em cursos de pós-graduação na área de Logística Empresarial na EAESP/FGV (Escola de Administração de Empresas de São Paulo da Fundação Getúlio Vargas) e em cursos de graduação de economia e administração de empresas em diversas faculdades (FAAP-Fundação Armando Álvares Penteado, Universidade Santana, Faculdades Ibero Americana e Universidade Brás Cubas). Por serviços prestados à classe dos Economistas, agraciado com a Medalha Ministro Celso Furtado, outorgada pelo Conselho Regional de Economia de São Paulo.

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