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Conteúdo 22 de janeiro de 2024

E-commerce e a Arte da Entrega Rápida em Grandes Centros Urbanos

O comércio eletrônico, abrangendo aproximadamente 10% do varejo global e projetado para crescer 20% anualmente (Statista, 2023), está transformando o projeto de rede de suprimento. Este artigo foca no impacto do e-commerce e dos serviços de entrega de última milha, destacando como aumentam a fragmentação das entregas e elevam a complexidade e custos logísticos em áreas urbanas. Exploraremos também como a rápida evolução do varejo omnichannel está modificando as estratégias das empresas para atenderem eficientemente os consumidores urbanos.

 

Tendências globais

 

A urbanização emergiu como uma tendência global incontestável, evidenciada pelo fato de mais da metade da população mundial habitar áreas urbanas – um número que, segundo projeções, deve escalar para cerca de dois terços. Em países desenvolvidos, como os da Europa e América do Norte, este movimento rumo à urbanização mostra sinais de desaceleração e estabilização. Por outro lado, em economias em ascensão, incluindo China e Brasil, a urbanização se destaca como uma tendência contínua e robusta. As megacidades, caracterizadas por terem populações que excedem dez milhões de habitantes, exemplificam este crescimento urbano. Atualmente, contamos com vinte e oito megacidades, e as previsões sugerem que este número possa superar quarenta em breve.

 

Mudança do comportamento do consumidor

 

A crescente demanda por gratificação imediata, particularmente notável no setor B2C de comércio eletrônico, está moldando as expectativas dos consumidores e intensificando a competição entre empresas. Para atender a essas expectativas elevadas, que incluem prazos de entrega mais rápidos, localizações específicas e maior flexibilidade, os varejistas eletrônicos estão aprimorando suas estratégias de entrega. No cenário do varejo omnichannel, a redução dos tempos de entrega é vista como um diferencial competitivo essencial, levando várias empresas a implementarem serviços de entrega acelerada, como opções de entrega no mesmo dia ou até mesmo entrega imediata.

Um exemplo emblemático dessa tendência é a JD.com, uma das líderes do mercado de e-commerce na China. A empresa responde a essa demanda com uma oferta de entrega no mesmo dia para pedidos feitos até às 11h e entrega até as 15h do dia seguinte para pedidos realizados até às 23h, abrangendo 99% do território chinês. Essa abordagem não só eleva as expectativas dos consumidores quanto à rapidez das entregas, mas também representa um desafio para as empresas, que precisam superar barreiras logísticas consideráveis para manter esse nível de eficiência em uma escala tão ampla.
Dessa forma, o elevado padrão de eficiência dos serviços estabelecido acabou por elevar as expectativas dos consumidores chineses, levando-os a uma notória impaciência. Em situações em que uma entrega online leva dois dias, é comum que clientes na China contatem o serviço de atendimento ao consumidor para expressar insatisfação com o que consideram uma demora excessiva, refletindo a percepção de lentidão em um serviço que, em outras regiões, seria considerado rápido.

 

Mudanças no projeto de rede

 

Com o avanço do comércio eletrônico, as empresas de varejo estão sendo compelidas a repensar o projeto de suas redes de suprimentos. A transição de sistemas centralizados e unimodais, orientados para o abastecimento de lojas com paletes, para redes mais descentralizadas e multimodais, focadas na movimentação eficiente de pacotes até o cliente final, tornou-se essencial, Janjevic et al, (2021). Essa mudança reflete a necessidade de atender às expectativas dos consumidores por entregas mais rápidas, personalizadas e a custos reduzidos, desafiando as empresas a adotarem estratégias logísticas mais flexíveis e adaptativas.

 

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Modelo para entrega em 24 horas

 

Para enfrentar eficazmente os desafios logísticos em áreas urbanas densamente povoadas, as empresas de e-commerce estão adotando a inovadora estratégia logística de “Roteamento de Veículos Capacitados em Dois Níveis”. Esse método bipartido inicia com o transporte de mercadorias de um depósito central para pontos intermediários, denominados satélites, por meio de veículos de grande porte. Na sequência, a entrega final aos clientes é realizada a partir desses pontos, utilizando veículos de menor porte. Essa tática vai além do uso convencional de vans na entrega de última milha, englobando uma diversidade de meios como carros de passeio, bicicletas de carga, triciclos e motocicletas. Adicionalmente, os e-varejistas estão cada vez mais recorrendo a operadores terceirizados para efetuar as entregas de última milha, explorando inclusive opções de transporte colaborativo. O principal objetivo desta estratégia logística é reduzir o custo total e aprimorar o processo de entrega, levando em consideração as restrições de capacidade e as necessidades específicas dos desafiadores ambientes urbanos.

 

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O interesse acadêmico em sistemas de entrega de dois níveis gerou uma literatura em expansão sobre o problema de roteamento de veículos de dois níveis (2E-VRP), com foco no desenvolvimento de algoritmos eficazes e eficientes. No entanto, há um desafio notável: o tamanho das instâncias tratáveis por esses algoritmos é frequentemente menor do que aqueles encontrados em cenários reais, especialmente considerando o grande número de pedidos diários que precisam ser entregues, como em cidades densamente povoadas como Xangai e São Paulo. Além disso, os níveis de serviço agressivos das empresas exigem decisões rápidas sobre rotas de entrega, tornando o desafio ainda mais complexo.

O maior desafio enfrentado no e-commerce para levar um produto até o consumidor é a entrega de última milha. Essa fase crítica, onde uma van ou veículo particular pode entregar entre 50 e 150 pacotes diariamente, é frequentemente subestimada por muitos executivos. Há casos em que veículos percorrem até 70 km dentro de São Paulo apenas para completar essas entregas. No entanto, a eficiência desta etapa é vital: minimizar a distância e o tempo gastos na última parte do trajeto é essencial para assegurar entregas rápidas e eficientes. Isso influencia diretamente na satisfação do cliente e nos custos operacionais, sendo um ponto crítico para o sucesso do processo de entrega.

Para enfrentar os desafios das entregas urbanas no e-commerce, as empresas estão implementando uma estratégia eficiente que combina a divisão da cidade em várias regiões e o estabelecimento de centros de serviço satélites nessas áreas. Este modelo operacional bipartido inicia com a segmentação da cidade, onde cada região é designada para facilitar a gestão e otimização das entregas.

Dentro de cada uma dessas regiões, são estabelecidos centros de serviço satélites. Estes centros funcionam como hubs de distribuição locais, de onde partem as entregas finais aos consumidores, executadas por veículos menores e mais ágeis. Este sistema permite uma abordagem mais direcionada e eficiente nas entregas de última milha, reduzindo a complexidade logística e otimizando os tempos de entrega.

Empresas como JD.com e Alibaba, líderes no mercado chinês, ilustram essa estratégia com eficácia. Elas utilizam um critério específico para determinar o número de centros satélites: quando a demanda em uma região exige o emprego de mais de 20 entregadores para um único centro satélite, essa região é então subdividida em múltiplos satélites. Isso assegura que a operação de entrega seja tanto eficiente quanto eficaz, distribuindo a carga de trabalho de maneira mais equilibrada e mantendo altos padrões de serviço ao cliente.

Portanto, essa abordagem integrada de dividir a cidade em regiões e estabelecer centros de serviço satélites proporciona uma solução prática e escalável para o desafio de realizar entregas rápidas e confiáveis em áreas urbanas densamente povoadas. Ela combina a necessidade de simplificação logística com a capacidade de se adaptar às flutuações e exigências variadas do mercado de entrega urbana.

 

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Em práticas extremas adotadas em grandes centros urbanos da China, a subdivisão de regiões de entrega em células menores com entregadores dedicados oferece eficiência localizada, simplificação logística e resposta rápida. Os próprios motoristas decidem a rota que usarão para entregar os pedidos em sua célula. Porém, esse processo puro enfrenta problemas devido a variações de demanda. Isso pode resultar em entregadores ociosos em áreas de demanda reduzida e entregadores sobrecarregados em áreas de alta demanda, o que prejudica a eficiência geral da operação de entrega e pode aumentar os custos operacionais. Note que o design de regiões e células é tipicamente governado por restrições práticas físicas, como barreiras geográficas (rios, estradas), limites administrativos e comunidades residenciais.

 

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Para otimizar a operação, Huang et al (2018) sugere a fusão de várias células em blocos, agrupando duas ou três células em cada bloco. Um bloco é um grupo de células atendidas por um pequeno conjunto de motoristas. Dentro de cada bloco, três entregadores podem compartilhar a carga, permitindo flexibilidade sem comprometer a simplicidade operacional. A introdução de blocos adiciona muito pouca complexidade operacional, pois tudo o que precisa ser feito é dividir as entregas de um bloco entre os motoristas designados para o bloco, o que pode ser feito, por exemplo, por uma simples divisão geográfica da área que equilibra a carga de trabalho dos motoristas designados para o bloco ou uma roteirização bem menor, focado neste bloco.  Se dividirmos uma região em 30 blocos, não teremos nenhum problema de despacho, apenas resolveremos um TSP (Problema do Caixeiro Viajante) dentro de cada Bloco. A minimização do número total de blocos é o objetivo, mantendo a capacidade de carga de cada bloco equivalente a três vezes a capacidade de veículo de um entregador. Além disso, a estratégia hierárquica visa reduzir a distância total de viagem dentro de cada bloco, contribuindo para uma operação mais eficiente e custos reduzidos na logística.

 

 

Observe que, uma vez que as regiões e os blocos tenham sido definidos, a gestão do sistema de entrega se torna direta. A principal operação envolve direcionar os veículos de transferência para as instalações satélites, uma tarefa simplificada pelo fato de os clientes finais já estarem alocados a estações satélites pré-definidas. Quando os pacotes a serem entregues chegam a um satélite, eles são prontamente repassados aos motoristas responsáveis pelo bloco que contém o local de entrega. Esta simplicidade operacional oferece vantagens significativas na prática e não implica necessariamente em um aumento significativo dos custos, especialmente em cenários onde o volume de pedidos é alto e a densidade de localização dos endereços de entrega é elevada. Tal abordagem otimiza a eficiência operacional e a gestão de custos, enfrentando eficazmente os desafios logísticos das entregas urbanas.

Empresas como a JD.com conseguem realizar entregas de forma altamente eficiente devido à presença de entregadores fixos que operam dentro de regiões específicas. Eles possuem um conhecimento amplo das áreas que atendem, chegando ao ponto de entender as nuances locais, como conflitos entre moradores, o que contribui para a eficiência do serviço. Normalmente eles oferecem entrega em até 24 horas em toda a China e com um preço muito acessível

De forma concisa, o estudo acadêmico de Huang et al (2018) destaca que em cenários de alta concentração de clientes e entregas frequentes, a estratégia de dividir operações em blocos, designando entregadores para áreas específicas, demonstra ser altamente eficiente. Esta abordagem simplifica consideravelmente as operações e se revela economicamente favorável. Além disso, a inclusão de uma flexibilidade operacional moderada pode aprimorar a distribuição de trabalho, conduzindo a uma otimização abrangente no desempenho do sistema.

Essa abordagem, embora não seja ideal do ponto de vista teórico de otimização, demonstra ser altamente eficaz na prática e escalável para enfrentar os desafios da entrega urbana. A estratégia hierárquica, que utiliza a definição de blocos para agrupar células, oferece uma solução intermediária eficiente, gerando economias significativas, sobretudo em áreas de alta densidade, ao mesmo tempo em que equilibra a distribuição de trabalho. No entanto, é importante ressaltar que em locais de densidade muito baixa, a estratégia de entregadores fixos pode não ser viável, exigindo a busca pela solução ótima por meio do roteamento de veículos. Portanto, a escolha da abordagem adequada deve considerar a densidade da área e as necessidades específicas de otimização.

 

Considerações finais

 

Em conclusão, este artigo contribui para a eficiência e viabilidade dos sistemas de entrega urbana focados na simplicidade operacional. Demonstramos que, com análises numéricas e analíticas simples, é possível enfrentar eficientemente o desafio de gerenciar entregas de alto volume em ambientes urbanos dentro de prazos restritos. A implementação de blocos estratégicos nesses sistemas não só melhora a capacidade de resposta às variações diárias de demanda, mas também promove uma adaptação suave a crescimentos moderados, trazendo o benefício adicional de equilibrar a carga de trabalho. Uma lição crucial a ser enfatizada é que o planejamento da rede de suprimentos, abrangendo a divisão da cidade em regiões, a escolha dos locais dos centros de serviço e a definição de blocos que serão atendidos por entregadores fixos e aqueles que serão atendidos por entregadores de forma dinâmica, pode ter um impacto muito mais significativo do que a busca árdua por uma otimização global através de algoritmos complexos. Estas descobertas enriquecem significativamente o conhecimento existente e pavimentam o caminho para futuras inovações em sistemas de entrega urbanos, oferecendo insights cruciais para melhorar a eficiência e sustentabilidade em nossas cidades, que são cada vez mais dinâmicas e densamente habitadas

 

Referencias

Huang, Y., Savelsbergh, M., & Zhao, L. (2018). Designing logistics systems for home delivery in densely populated urban areas. Transportation Research Part B: Methodological, 115, 95-125.

Janjevic, M., Merchán, D., & Winkenbach, M. (2021). Designing multi-tier, multi-service-level, and multi-modal last-mile distribution networks for omni-channel operations. European Journal of Operational Research, 294(3), 1059-1077.

Prof. Dr. Mauro Sampaio Prof. Dr. Mauro Sampaio

Pós-doutorado em Administração pelo Fischer College of Business da Ohio State University (OSU-USA) e pela Chalmers University of Technology (CHALMERS-Suécia). Doutor e Mestre em Administração de Empresas pela EAESP/FGV. Engenheiro de Produção-Materiais pela Universidade Federal de São Carlos (UFScar). Atualmente, professor adjunto do Departamento de Engenharia de Produção do Centro Universitário FEI. Atua profissionalmente como professor e pesquisador. Seus temas de interesse são: Produção e Operações, Supply Chain Management e Logística.

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