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Conteúdo 19 de abril de 2022

É inquestionável: o Brasil precisa e exige muito mais

No mês de setembro do ano passado, publiquei no Portal do Guia do TRC (04.09.21), um artigo com o seguinte título: “Voltar somente ao “normal” não resolve. O Brasil, principalmente, precisa de muito mais caso queira alcançar o desenvolvimento”. Um pouco mais tarde, dia 10.11.21 e no mesmo Portal, outro artigo: “O Brasil precisa e exige muito mais”. Acredito, particularmente, que vale à pena retomar o assunto.

Não há qualquer dúvida que sempre é necessário que se busquem soluções para os problemas do presente. Mas é preciso compreender que é fundamental, simultaneamente, construir os alicerces para o futuro. Para o mundo e mais notadamente para o Brasil.

Problemas que perduram a anos neste País, tais como a desigualdade (inclusive perante a justiça), a fome e a pobreza, as péssimas condições na saúde, habitação, saneamento básico e educação, a falta de estímulos para utilização de energia limpa e de proteção ao meio ambiente, por exemplo, deveriam fazer parte obrigatória de qualquer plano de Governo, e principalmente de Estado. Infelizmente o que se vê é que nossos dirigentes maiores, como regra geral, não pensam dessa forma.

Desastres naturais, quase sempre gerados pela forma predatória como o homem explora a natureza (1), a fome e a miséria, frutos dos processos permanentes de concentração de renda e de poder (2), são exemplos por demais conhecidos de eventos que ‘atacam’ principalmente as pessoas mais pobres e de forma muito mais cruel. Natural e de forma quase imediata, não só no Brasil mas em grande parte do mundo, na medida em que os poderes constituídos e as classes dirigentes não conseguem dar respostas adequadas a esses problemas, independentemente das causas e dos motivos, as dúvidas e a tensão aumentam e elevam o nível de incertezas com relação ao futuro.

Não à toa, já no início deste século, portanto antes da pandemia e da guerra na Ucrânia, o mundo já vivia o que se convencionou chamar de a “era das incertezas”, na qual quase todos valores anteriormente aceitos, tais como Democracia, Capitalismo ou Globalização, passaram a ser questionados. Posteriormente, tanto a pandemia como a invasão da Ucrânia pela Rússia, se encarregaram de piorar tudo.

Relatório da Conferência das Nações Unidas sobre Comércio e Desenvolvimento (Unctad), por exemplo, apontou que os 46 países menos desenvolvidos, dentre eles o Brasil, além de serem obrigados a “suprir deficiências institucionais, econômicas e sociais” instaladas anteriormente e já a algum tempo, ainda “dependerão de ajuda internacional para investir no sistema de produção e na preparação de sua população para os desafios do crescimento e do progresso”. O relatório também indica o que fazer, mas alerta sobre a necessidade de se ter governos e lideranças competentes e direcionadas a resolver problemas concretos (“Também a recuperação é desigual”, 02/10/21 no Estadão).

Reconheça-se, portanto, que são muitos os casos nos quais as classes dirigentes, políticas e empresariais, por incompetência, falta de recursos ou instrumentos apropriados, não sabem como dar soluções a problemas como esses, mesmo porque são oriundos de circunstâncias históricas e estruturais complexas. Mas é importante relembrar, como já dito, que o desinteresse ainda tem se constituído como um dos maiores motivos. São abundantes os exemplos, e o Brasil é pródigo nisso, de situações nas quais as prioridades do País são colocadas “de lado”, uma vez que as classes dirigentes estão extremamente ocupados na resolução de seus próprios problemas, entre eles, a própria reeleição, como se tem notado ultimamente.

Aliás, é o que se depreende quando se acompanha o noticiário brasileiro, posto que em plena crise política, econômica e social, e agravando-se à cada dia, somente a sucessão presidencial – e temas correlatos – tem prioridade na agenda de nossos dirigentes. E tudo é válido: de soluções criativas para aumento dos gastos governamentais acima do teto, pedaladas fiscais, calotes de precatórios, aumentos salariais aos servidores públicos em ano eleitoral, emendas parlamentares secretas, fundos partidários e de campanhas, a subsídios com retornos discutíveis (3), os assuntos “eleitoreiros” são os mais diversos possíveis.

Não há dúvida que a retomada da estabilidade, do crescimento e do desenvolvimento somente ocorrerá em condições melhores e em tempos menores quanto mais desenvolvido, organizado e pró ativo for o País. Inversamente proporcional àqueles países menos desenvolvidos, mais desorganizados e que, para piorar, ainda são administrados por governos que ignoram os anseios da população, são corruptos, medíocres e praticantes de um populismo irresponsável.

Depreende-se, em resumo, que ao se estabelecer projetos para o futuro, é impossível querer simplesmente voltar ao ‘normal’, pois, como escrevi nos artigos citados, “isso apenas equivaleria a tirar o bode da sala”. É essencial compreender que resolver os problemas oriundos da pandemia e da guerra, sem providências outras, é manter “intactos” os problemas anteriores, que tão mal tem feito à grande maioria da população do País. Segundo o IBGE, antes da pandemia, em 25% dos domicílios brasileiros nenhum morador dispunha de renda do trabalho. Mais tarde, no 2º trimestre de 2021, já em plena pandemia, 28,5%. Será que voltar ao normal é manter os mesmos 25% de residências brasileiras sem renda do trabalho?

Repetir muito do que se fez e se faz até agora, além de não resolver problemas estruturais sérios e condenar nossa economia à prisão da “armadilha da renda média”, estimulará a frequência e a veemência dos movimentos populares. Óbvio que as reações antidemocráticas, autoritárias e de intolerância, tanto dos governos de plantão como de parte da sociedade civil mais privilegiada, também se farão presentes, preparando terreno para a atuação de demagogos, populistas e ditadores, sejam eles de esquerda ou de direita.

O Brasil, portanto, não pode se limitar apenas à implantação das diversas e imprescindíveis reformas estruturais de há muito exigidas, ou da adoção de políticas que estimulem a inovação, o desenvolvimento tecnológico, a melhoria dos processos produtivos e o aumento da interconectividade. É preciso, paralelamente, iniciar um movimento que aumente o grau de conscientização de seus habitantes com respeito a tudo que envolve a sociedade, cujo principal objetivo tem que ser o próprio ser humano.

Ou seja, antes de tudo, governantes e governados, empresários e trabalhadores, militares e civis, necessitam encarar a realidade como ela é, aceitar que nossa geração cometeu erros irreparáveis, compreender que “as coisas” aqui no Brasil não estão bem e que, individual ou coletivamente, a responsabilidade é de todos. É preciso compreender que há uma interdependência clara e objetiva entre ser humano e natureza, que não haverá um mundo melhor se o meio ambiente e a saúde das pessoas não forem protegidas, que sem políticas sérias nas áreas da saúde e da educação, a diferença entre ricos e pobres aumentará, e que, em um mundo cada vez mais desigual ninguém terá ‘sossego’.

É certo, até porque faz parte da essência do capital, que as empresas continuarão investindo para que sejam aumentadas a produtividade, a competitividade e, consequentemente, o lucro empresarial. Mas terão elas o mesmo ímpeto diante de motivos mais coletivos e nobres, nos quais o lucro talvez não seja o principal objetivo? Estará o mundo empresarial pronto para compreender, como defendido pelo movimento “Capitalismo Consciente” (4), que “os negócios são bons quando criam valores para todos, éticos porque baseados na troca voluntária, nobres porque elevam a existência, heroicos porque tiram as pessoas da pobreza e promovem a prosperidade”?

Parte do empresariado brasileiro e mundial vem se movimentando para proteger o meio ambiente e encontrar soluções aos problemas gerados pelas mudanças climáticas, mas é fundamental aumentar a abrangência dessas atitudes e compreender, por exemplo, que enquanto houver desigualdade social em níveis altos e sem perspectiva de melhora, o nível de desenvolvimento dessa sociedade será baixo e de enormes riscos.

Enfim, como defende o escritor, professor e ex-assessor do presidente francês François Miterrand, Jacques Attali, estamos preparados para passar de uma “economia da sobrevivência” para uma “economia da vida” (5), de tal forma a se “evitar que as crianças de hoje sofram com uma pandemia aos 10 anos, uma ditadura aos 20 e um desastre climático aos 30?”.

A tarefa não é fácil (6) mas há que se preparar as pessoas para esses novos compromissos e reforçar o entendimento de que somente através da Democracia e da Política será possível evitar a “captura” do Estado (7). É imprescindível conscientizá-las de que atitudes importantes, tais como o combate à desigualdade, à violência, ao racismo e à discriminação, a favor da inclusão social, de respeito à diversidade, ao meio ambiente e às leis vigentes, precisam ser transformadas em valores inquestionáveis.

O papel a ser desempenhado por cada um deverá ser mais abrangente, concreto e efetivo do que o atual, diferentemente do que se prega como volta à “normalidade”, tanto para melhor compreensão da realidade que nos cerca, como na conscientização a respeito desses “novos” valores. Diferentemente de modismos e soluções circunstanciais, é preciso trabalhar para se implantar, principalmente no Brasil, uma cultura que se ocupe, prioritariamente, do ser humano e da vida. Para tanto é preciso trabalhar com a consciência de cada um. Pensar de forma mais abrangente e holística é essencial, pois como escreveu Jacques Attali, esta crise “sem precedentes dos últimos dois séculos, revela-se múltipla: social, política, econômica, ideológica, filosófica e ecológica”.

 

(1) Relatório da Organização Meteorológica Mundial, da ONU, indica que em 50 anos, de 1970 a 2019, e em todo o mundo, os desastres naturais mataram cerca de dois milhões de pessoas e causaram prejuízos na ordem de US$ 3,4 trilhões. A matéria a respeito foi elaborada por Mayara Paixão e publicada na Folha UOL dia 02/09/21: “ressalte-se que ‘questões do clima’ contabilizaram mais de 11 mil eventos, tais como secas, enchentes, deslizamentos de terra, tempestades e incêndios. Mas enquanto na década de 1970 houve 711 eventos, na década de 2000 houve 3.536 e na década de 2010 mais de 3.165”. Inundações, 44% e tempestades tropicais, 35% foram, disparados, os eventos mais frequentes.

(2) Aproveito-me de material publicado na revista Nexo, em 22/10/21, por Anna Maria de Castro, que comenta o trabalho desenvolvido pelo geógrafo brasileiro Josué de Castro, ao escrever em 1946, o livro a “Geografia da Fome”. Já, à época, Josué de Castro afirmava que a fome não era um problema natural (grifos meus), isto é, não dependia nem era resultado dos fatos da natureza – ao contrário, era fruto de ações dos homens, de suas opções, da condução econômica que davam a seus países” (grifos meus). Josué de Castro produziu diversos trabalhos para comentar os problemas da fome e da miséria, não só no Brasil, mas em todo o mundo. Ao constatar a intensa realidade da fome e o tamanho do mal que causava, Josué, mesmo enfrentando muitos preconceitos que encobriam aquele problema, dedicou-se a estudar esse problema, ainda atual e universal (“Josué de Castro e a descoberta da fome”).

(3) Segundo dados oficiais referentes a 2020, o Brasil gastou R$ 346,6 bilhões com subsídios. Fundo de Financiamento ao Estudante do Ensino Superior (Fies) e Fundos Constitucionais de Financiamento do Nordeste (FNE), do Norte (FNO) e do Centro-Oeste (FCO), R$ 9,2 bilhões; Minha Casa Minha Vida e Prêmio de Seguro Rural, R$ 16,7 bilhões; Renúncia Fiscal (Simples Nacional, Desoneração da Folha e Zona Franca), R$ 320,7 bilhões. “O descontrole, a falta de acompanhamento técnico e a ausência de métricas de efetividade sobre resultados lançam sintomas de efeitos econômicos nocivos”, escreveram Sebastião Ventura, Felipe Garcia e Guilherme Stein em trabalho realizado sobre o tema: “Micropolíticas de subsídios e suas macroconsequências” (Estadão de 25 Mar 2022).

(4) “Capitalismo Consciente” é uma forma de refletir sobre onde estamos e aonde queremos chegar em termos de evolução humana. As empresas conscientes são movidas por um propósito maior e procuram praticar uma cultura com consciência mais ética e nobre, na medida em que tira as pessoas da pobreza e cria prosperidade. O termo “Capitalismo Consciente” foi utilizado pela primeira vez por Muhammad Yunus em uma publicação no Atlantic Monthly em 1995 e se tornou popular em face da publicação do livro “Conscious Capitalism – Liberating the Heroic Spirit of Business”, de John Mackey, CEO e cofundador da Whole Foods, e do Prof. Raj Sisodia, da Universidade Bentley. (retirado do site “Conscious Capitalism”).

(5) “Nossas futuras vidas e meios de subsistência: sustentável e inclusivo e crescente”, artigo publicado pela McKinsey, 26 de outubro de 2021, por Bob Sternfels , Tracy Francis , Anu Madgavkar e Sven Smit. “À medida que a economia mundial começa a emergir da crise da COVID-19, em breve chegará o momento de os líderes olharem além da salvaguarda de vidas e meios de subsistência e voltem-se para um desafio mais profundo: melhorá-los. Esse desafio social pode ser dez vezes maior que a pandemia e durar dez vezes mais. Os três objetivos que temos em mente – crescimento, sustentabilidade e inclusão – sustentam-se mutuamente, mas nem sempre apontam na mesma direção; vemos laços poderosos de reforço e também de contra-ataque entre eles”. Pois é, “como é que vamos construir um futuro que proporciona crescimento e sustentabilidade e inclusão?”

(6) Modelo de desenvolvimento que “concentre esforços e investimentos em setores interdependentes que promovam e protejam a vida: saúde, higiene, energia limpa, alimentação, agricultura, pesquisa e inovação, reciclagem, educação, cultura, segurança e outros” (Hélio Mattar, presidente do Insituto Akatu pelo Consumo Consciente, escreveu na capa do livro de Jacques Attalil).

(7) “A contradição central que nos amarra é a mesma que pode nos libertar: a contradição entre a política e o capital. Do lado da política, encontramos conexões com os valores da civilização. Do lado do capital desgovernado, sem regulação só encontramos a distopia, na qual a vida humana valerá ainda menos do que vale agora”, escreveu Eugênio Bucci em “A superindústria do imaginário” – Como o capital transformou o olhar em trabalho e se apropriou de tudo que é visível” (Editôria Autêntica, 2021). Superindústria segundo Bucci: prevalência da imagem sobre o corpo, do desejo sobre a necessidade, do “valor de gozo” sobre o “valor de uso”. A fabricação de valores e reputações que transformam o sistema capitalista em ‘capitalismo totalitário’ (“aquele que se consume na tecnologia sem lei, é a anticivilização”). E concluiu: “a única revolução que conta está na política e na democracia. Sem as duas a soberania popular perderá seu objetivo, o Estado terá sido capturado pela treva e não haverá anteparos contra a Superindústria”.

Paulo Roberto Guedes Paulo Roberto Guedes

Formado em ciências econômicas (Universidade Brás Cubas de Mogi das Cruzes) e mestre em administração de empresas (Escola de Administração de Empresas de São Paulo/FGV). Professor de logística em cursos de pós-graduação na FIA (Fundação Instituto de Administração), ENS (Escola Nacional de Seguros) e FIPECAFI (Fundação Instituto de Pesquisas Contábeis, Atuariais e Financeiras). Membro do Conselho Consultivo da ABOL – Associação Brasileira de Operadores Logísticos, da qual também foi fundador. Membro do Conselho de Administração da ANHUMAS Corretora de Seguros. Diretor de Logística do CIST – Clube Internacional de Seguro de Transporte. Consultor Associado do escritório de Nelson Faria Advogados. Consultor empresarial e palestrante nas áreas de planejamento estratégico, economia e logística. Articulista de diversas revistas e sites, tem mais de 180 artigos publicados. Exerceu cargos de direção em diversas empresas (Veloce Logística, Armazéns Gerais Columbia, Tegma Logística Automotiva, Ryder do Brasil e Cia. Transportadora e Comercial Translor) e em associações dos setores de logística e de transporte (ABOL – Assoc. Brasileira de Operadores Logísticos, NTC&L – Assoc. Nacional do Transporte de Cargas e Logística, ANTV – Assoc. Nacional dos Transportadores de Veículos, ABTI – Assoc. Brasileira de Transp. Internacional e COMTRIM – Comissão de Transporte Internacional da NTC&L). Exerceu cargos de consultoria e aconselhamento em instituição de ensino e pesquisa (Celog-Centro de Excelência em Logística da FGV), de empresas do setor logístico (Veloce, Columbia Logística, Columbia Trading, Eadi Salvador, Consórcio ZFM Resende, Ryder e Translor) e de instituição portuária (CAP-Conselho de Autoridade Portuária dos Portos de Vitória e Barra do Riacho do Espírito Santo). Lecionou em cursos de pós-graduação na área de Logística Empresarial na EAESP/FGV (Escola de Administração de Empresas de São Paulo da Fundação Getúlio Vargas) e em cursos de graduação de economia e administração de empresas em diversas faculdades (FAAP-Fundação Armando Álvares Penteado, Universidade Santana, Faculdades Ibero Americana e Universidade Brás Cubas). Por serviços prestados à classe dos Economistas, agraciado com a Medalha Ministro Celso Furtado, outorgada pelo Conselho Regional de Economia de São Paulo.

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