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Conteúdo 2 de junho de 2021

A eficiência logística e seus desafios em um país paradoxal

 

Ao longo das últimas três décadas atuando no vasto ecossistema da logística, imaginava, assim como tantos colegas do setor, que muitos embates teriam sido vencidos.

A logística é um dos campos de estudo em estratégia que dispõe, ao meu julgo, de algumas matérias fundamentais, sendo algumas obrigatórias e outras eletivas. Das obrigatórias, considero a economia, a geografia, a estatística, a física, a lógica, a gestão e o planejamento estratégico, as mais impositivas, não subestimando as de lastro social, pois a integração territorial, no caso brasileiro, das suas idiossincráticas regiões, é de superior importância! Assim, conhecer as particularidades socioambientais faz-se igualmente mister.

Inicio este artigo desta forma teorizando, pois, no país do paradoxo, lidar com a logística é um verdadeiro exercício do enfrentamento contra o imponderável. A atividade exige muita dedicação, estudo, observação e, portanto, é quase uma necessidade por ela se apaixonar, caso contrário, as defecções são inevitáveis.

Com características globais peculiares, o Brasil traz em si extensão continental, com uma linha litorânea pouco comparável a outras nações, clima e temperatura invejáveis, reentrâncias abrigadas para instalações portuárias, topografia particularmente propícia ao uso e desenvolvimento dos vários modais, bacias hidrográficas extensas e profundas, as quais, perpassando estados, são, por natureza, hidrovias de fácil estruturação e integração.

Alie-se a tanta dádiva assim, incluindo a abundância hídrica, as inigualáveis condições de sol e vento para a exploração energética sustentável, em larga escala. Esse país, com matriz econômica plural, dispõe de condições edafoclimáticas singulares, oferecendo ao mundo o maior celeiro natural de alimentos. Na esteira de tantas vantagens comparativas assim, somos um país de povo criativo e empreendedor, o que nos deveria levar a ocupar melhores condições no quadro global de competitividade, o que, infelizmente, não se configura.

Por vezes escrevemos, não com alegria, sobre a posição sofrível que o Brasil se encontra nas várias estatísticas mundiais, como por exemplo, o LPI (Logistics Performance Index), uma ferramenta interativa de benchmarking criada e alimentada pelo Banco Mundial (The World Bank), para auxiliar os países a identificarem seus desafios e oportunidades em relação à sua performance nas negociações globais vis-à-vis o desempenho da sua logística e como esses países podem atuar para melhorar nesse particular. O estudo, realizado a cada dois anos, mostra-nos, com tristeza, perda de posição a cada edição.

Na última versão, em 2018, quando comparados ao universo de 160 países estudados, ocupamos a 56ª posição, enquanto países como o México e o Chile ocuparam a 51ª e 34ª posições, respectivamente. Há dezoito anos chegamos a estar em melhor posição, ocupando a 41ª entre os 155 países pesquisados à época.

Isso se deve em muito ao baixíssimo investimento em infraestrutura no Brasil. Estudos da Inter.B Consultoria nos mostram que investimos muito abaixo do minimamente necessário em infraestrutura, i.e., um patamar atual de 1,8% a.a. do PIB, necessitando, contudo, virmos a investir cerca de 4% a.a. pelo prazo de 20 anos, ou seja, o equivalente a um PIB anual em duas décadas. Em infraestrutura logística, os investimentos são ainda menores, cerca de 0,7% a.a. do PIB.

No que concerne a outro levantamento do Banco Mundial, o Doing Business, na sua última edição, em 2019, perante 190 nações, enquanto o Chile ocupava a 59ª e o México a 60ª posições, o Brasil continuava a amargar a sofrível 124ª posição. Por fim, mas não menos importante, quando a abordagem vem de uma outra fonte de referência, o The World Economic Forum, o qual analisa a competitividade de 141 nações, o Brasil posiciona-se na 71ª posição.

Esse país que amarga, há décadas, posições que não nos assegurará liderança destacada, é a mesma nação que bate recordes de produção agrícola! Segundo dados do LSPA (Levantamento Sistemático da Produção Agrícola), do IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística), a safra nacional de grãos deve atingir mais um recorde, o terceiro consecutivo, em 2021, somando 260,5 milhões de toneladas, com crescimento de 2,5% em relação ao ano anterior.

Os principais fatores que ajudaram no resultado foram, principalmente, o preço das principais commodities em alta; a valorização do dólar em relação ao real; a demanda externa aquecida; o clima favorável; e os bons resultados das últimas safras. É de se notar que a infraestrutura logística não figura como destaque competitivo, contributivo, para esta agenda!

Por dever de justiça e republicano reconhecimento, vemos um Ministério da Infraestrutura empenhando-se além do possível para atrair investimentos para o setor, mesmo diante de um orçamento nada favorável, construindo, de modo hercúleo, uma agenda bastante positiva diante do cenário atual o qual vivenciamos. O trade, contudo, tem sido o grande protagonista pelos goals nesse cenário alvissareiro que o setor privado do agronegócio nos faz, efetivamente, festejar.

Nesse novo cenário, o Arco Norte mostra-se como a saída para uma nova logística que impulsionará o escoamento das futuras safras em crescimento. A expansão ferroviária com a Norte-Sul, Malha Central, a possibilidade futura da Ferrogrão, dentre outras, podem significar uma reviravolta no escoamento do agronegócio.

Por outro lado, a FIOL (Ferrovia de Integração Oeste-Leste), com extensão de 1.527 quilômetros, entre Ilhéus/BA e Figueirópolis/TO, teve o Trecho I, de Ilhéus/BA a Caetité/BA, com extensão de 537 km, concedido à Bahia Mineração no último dia 8 de abril, restando o Trecho II, de Caetité/BA a Barreiras/BA, com extensão de 485 km, dos quais cerca de 36% das obras estão executadas (jul/2019), e o Trecho III, de Barreiras/BA a Figueirópolis/TO, com extensão aproximada de 505 km, em fase de estudos e projetos.

Há, contudo, um universo de questões a serem resolvidas, como a própria Ferrogrão, que ainda não está ambientalmente pacificada; bem assim a integração da Transnordestina com o bipolo agrícola Juazeiro-Petrolina, cuja ferrovia tem, como destino assegurado, os portos de Suape/PE e Pecém/CE, dentre outros projetos.

Faz-se fundamental frisar neste texto a importância estratégica do Projeto de Lei nº 4.199/2020, que trata do programa BR do Mar encaminhado pela Presidência da República ao Congresso Nacional em 13/08/2020, cujo PL trata de relevância basilar para o fomento e incentivo à cabotagem no Brasil. Para uma nação como o Brasil, com a extensa dimensão territorial, cuja população concentra-se em cerca de 60%, a 200Km do litoral, a cabotagem é mais do que uma política pública necessária, mas uma questão inquestionável de estratégia de redução de custos logísticos e aumento de competitividade, com a redução de acidentes rodoviários, redução de emissões de gases de efeito estufa, dentre outros benefícios inquestionáveis.

Na mesma toada, não poderia deixar de frisar a relevância do Projeto de Lei nº 3.757, protocolado em 13 de julho do ano passado, no auge da pandemia em 2020, cuja tese foi lucidamente defendida pelo ínclito deputado federal pelo PSD do RJ, Hugo Leal, o qual trata, sobretudo, da definição do operador logístico, suas atribuições, suas responsabilidades, bem como atualiza o regramento da armazenagem geral, ainda sustentada no anacrônico decreto nº 1.102, de 21 de novembro de 1903.

É nesse cenário que o paradoxo se insere, pois, ainda que diante de hercúleos desafios, o Brasil segue com seus audaciosos projetos, fazendo uso dos métodos incrementais de inovação tecnológica como a Internet das Coisas (IoT), do Omnichannel, da Inteligência Artificial (AI), do Blockchain, do Cloud Computing, dentre outras tecnologias derivadas.

Vimos, nesse campo desafiador, durante a pandemia, que o movimento tecnológico aderente a uma logística de vanguarda se acentuou, dado termos incrementado vertiginosamente esse ecossistema com o uso mais generalizado do e-commerce. Somente para termos um aperitivo do crescimento desse setor, segundo levantamento da Ebit/Nielsen, em 2020, as vendas via internet subiram 41% em relação ao período anterior. Um dos maiores atores desse setor, o Mercado Livre informou recentemente que vai investir R$ 4 bilhões, somente no Estado de São Paulo neste ano, fazendo parte de um total de R$ 10 bilhões em investimentos no país em 2021.

O foco principal está no mercado paulista e trará, principalmente, recursos em logística e tecnologia, seguindo a tendência mundial. Além do Mercado Livre, a gigante americana Amazon e a brasileira Magazine Luiza também anunciaram investimentos para 2021. Seguindo o ritmo atual, esperamos investimentos ainda maiores para 2022, dado que a penetração do comércio eletrônico no Brasil ainda é baixa, ficando em cerca de 11%, tendo, contudo, mais do que duplicado, já que antes da pandemia era 5%. Quando comparamos com os Estados Unidos, onde lá a penetração é de 25%, e na China 35%, temos muito a caminhar!

Os desafios no Brasil são bastante conhecidos, como a elevada burocracia, a imensa complexidade e a exorbitante carga tributária, além dos desafios naturais de um país continental com deficiências ainda muito grandes no campo da infraestrutura viária.

Um novo desafio, contudo, nos será lançado: o advento do 5G no país, que demandará investimentos significativos em infraestrutura de rede e demais sistemas correlatos. Não podemos deixar de falar aqui dos veículos autônomos AGV (Automated Guided Vehicle), dos drones e veículos elétricos, os quais, vencidos os mais rigorosos desafios, serão inevitáveis.

É inegável o quantum de redução de custo com uma logística planejada e bem estruturada, cuja participação do operador logístico é inegável. Segundo o último Third-Party Logistics Study – 2020, uma hegemônica parcela dos embarcadores americanos, cerca de 93% reportaram que ao utilizarem operadores logísticos em suas operações, lograram grande sucesso. Ademais da agregação de utilidade e valor dos serviços, estudos acessados dão conta de que os custos logísticos em uma operação variam entre 20% a 50% do custo total.

Segundo o Third-Party Logistics Study, o fator de redução do custo logístico gerado pela atuação dos operadores logísticos varia, em média, entre 15% e 20%, em uma média global, dado ao seu elevado conhecimento da atividade.

Para que se tenha uma boa ideia do espectro de atuação de um operador logístico, ele atua desde o planejamento e desenvolvimento correto de processos, utilizando-se das ferramentas analíticas adequadas à operação; a tecnologias sob medida ao processo; eliminando os processos e trabalhos improdutivos, com a mitigação do retrabalho, eliminando perda de materiais e de insumos; bem como redução dos riscos com roubo, furto e avarias.

De igual forma, o operador logístico tem atuação focada em SLA (Service Level Agreement), medindo pari-passu sua efetividade através de KPI (Key Performance Indicators); racionalizando os custos com a melhor ocupação e otimização de espaços, com a utilização de mais flexibilidade para adequar os recursos às alterações sazonais do mercado, utilizando e adequando frotas e otimizando rotas; melhor contratação, gestão e treinamento de pessoas, dentre outras ações fundamentais para o processo da logística integrada poder se dar de forma mais eficiente, eficaz e com maior efetividade.

Gostaria de findar este artigo compartilhando minha crença de que está na logística nossa importante fronteira de competitividade. O provedor logístico, independentemente do seu estágio de atuação, atua em projetos by demand, construindo soluções sob medida (taylor made) para que possamos reduzir, efetivamente, o custo Brasil.

Desta forma, além do todo exposto, novas estruturas têm surgido e evoluído neste campo, como as startups do setor, as logtechs, por exemplo, as quais atuam no desenho de soluções tecnológicas, que venham a sanar as “dores” específicas da cadeia de suprimentos e distribuição.

Segundo a distrito.me (clique aqui), foram mapeadas 283 startups que atuam no setor de logística no Brasil (logtechs), sendo que mais da metade delas foram fundadas nos últimos cinco anos. Em tão pouco tempo, esse jovem mercado vem empregando mais de 11 mil brasileiros, o que demonstra que estamos apenas começando e temos muito a amadurecer.

 

Carlos Cesar Meireles Vieira Filho Carlos Cesar Meireles Vieira Filho

Mestre em administração de empresas pela UFBA (Universidade Federal da Bahia), com especialização em Conselhos pela FDC/MG e MBA em Economia e Gestão de Relações Governamentais pela FGV/SP. Com 35 anos de experiência em logística e infraestrutura, atuou no Polo Industrial de Camaçari, no Governo do Estado da Bahia e em vários Operadores Logísticos e Portuários no país, tendo sido co-fundador e presidente da ABOL (Associação Brasileira de Operadores Logísticos) por nove anos. É consultor e conselheiro de empresas, atuando em planejamento estratégico, desenvolvimento de novos negócios, fusões e aquisições. É sócio-diretor da TALENTLOG – Consultoria e Planejamento Empresarial Ltda.

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