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Conteúdo 7 de abril de 2020

Financeiro e Supply Chain: uma abordagem para gerar valor

Como conciliar interesses entre áreas que, aparentemente, possuem objetivos distintos? De que maneira aliar o objetivo de reduzir ao máximo o investimento em estoques e o custo de capital associado à necessidade de minimizar rupturas nas vendas? De que forma é possível convergir uma gestão baseada em melhorar o nível de serviço com uma eficiente alocação de recursos cada vez mais escassos?

Fazendo uma analogia com os tempos atuais, em tempos de #coronavirus, podemos dizer que os responsáveis pela área financeira são os que defendem que a economia é o mais importante e os profissionais da área de supply chain argumentam que a saúde vem em primeiro lugar. Será que o ideal é radicalizar o isolamento social de forma a achatar ao máximo a curva de contágio, mas com efeitos devastadores para atividade econômica, empregos e ordem social? Ou seria mais interessante manter a atividade econômica em funcionamento, preservando ao máximo os empregos e a renda, mas com óbvias consequências sobre a aceleração de contágio e o iminente colapso do sistema de saúde?

A área financeira poderá criticar a área de supply chain alegando que estão preocupados somente com o nível de serviço e que, por exemplo, querem manter níveis de estoques mais elevados para que evitem riscos de desabastecimento e, dessa forma, desconhecem os custos associados ao capital empatado nos estoques e os consequentes efeitos para os resultados financeiros. Por sua vez, a área de supply chain contra argumentará que o pessoal do financeiro só sabe pensar em reduzir custos e não reflete sobre as consequências que podem advir com a queda do nível de serviço e das vendas.

Um aspecto importante que pode agravar o distanciamento entre essas visões, tanto no debate dos impactos do novo #coronavirus como no mundo corporativo, é qual o tipo de cultura dos ambientes em que essas discussões ocorrem. No cenário político nacional vemos interesses eleitoreiros de parte a parte que distorcem análises e dados apenas para defender o seu ponto e impedem discussões objetivas para criar soluções conjuntas que resultem, no fim do dia, em menos sofrimento geral, equilibrando e minimizando ao máximo as perdas de vidas, seja pelo vírus em si, seja pelos efeitos ocasionados pela abrupta redução de atividade econômica. No ambiente corporativo, quanto menos colaborativo for o clima organizacional e quanto maiores forem os egos que entram em disputa por poder, maiores as chances de que as decisões reflitam a estrutura de poder vigente e menores as probabilidades de que as ações resultem em melhoria sustentável dos resultados. E isso vale para todas as áreas da empresa.

Vamos nos ater ao mundo corporativo e como a área financeira pode atuar em conjunto com a área de supply chain para aumentar a geração de valor. Antes de avançarmos, é importante lembrar que o sucesso de uma empresa não é medido somente por sua capacidade de aumentar vendas, ganhar participação de mercado, produzir lucros ou mesmo gerar caixa de suas operações. O que realmente faz diferença é se a empresa como um todo está criando valor. Esse é o princípio financeiro fundamental que precisa ser respeitado e disseminado em todos os projetos e decisões. E somente haverá criação de valor se o valor presente do conjunto de investimentos da empresa é positivo. Em outras palavras, o retorno sobre o capital investido (ROIC) precisa ser superior ao custo do capital empregado (WACC)¹.

Quando analisamos as alavancas de melhora do ROIC (vide diagrama abaixo), notamos que uma eficiente gestão da área de supply chain é estratégica para influenciar o ROIC da companhia. São inúmeras decisões que impactarão as receitas (ex: redução de ruptura), o custo da mercadoria vendida (ex: parceria estratégica com fornecedor que reduz valor da compra), as despesas (ex: desenho otimizado da operação e uso eficiente de tecnologia reduzindo headcount), a necessidade de capital de giro (ex: melhoria da previsão de demanda racionalizando os estoques) e o investimento em capex (ex: investimentos em automação de CD com VPL positivo).

Vale destacar a importância que a cadeia de suprimentos possui no âmbito do gerenciamento da necessidade de capital de giro (NCG), tema muitas vezes negligenciado nas corporações, que por vezes focam em decisões mais imediatistas ou em melhorias mais fáceis de serem implementadas em detrimento de um programa sustentável de gestão da NCG, que pode contribuir, decisivamente, para a contínua liberação de caixa.

Nesse sentido, dentro da abordagem de Modelo Dinâmico, proposto pelo Professor Michel Fleuriet², a necessidade de capital de giro pode ser medida pela diferença entre os ativos cíclicos (estoques, contas a receber, despesas antecipadas) e os passivos cíclicos (fornecedores, salários e impostos a pagar e receitas antecipadas). Ou seja, NCG = AT Cíclicos – Passivos Cíclicos. Quanto menor a NCG, melhor. Se NCG < 0, o capital de giro se torna uma fonte operacional de recursos. Empresas como #Amazon e #Zara são muito eficientes nessa gestão e a utilizam como alicerce em seus modelos de negócios. Embora haja muitos fatores que influenciam o NCG típico de um setor de atuação, todas as empresas deveriam ter como objetivo a melhora relativa dessa métrica, seja em relação a períodos anteriores, seja em comparação aos seus pares.

Nesse contexto, o apoio da área financeira é fundamental para implementar um modelo de gestão eficaz, definindo um patrocinador e formando uma equipe multidisciplinar para fixar políticas e gerir processos, conscientizando a todos dos conceitos e impactos que a variação da NCG tem nos resultados. Dessa forma, abre-se a possibilidade para a criação de métricas de acompanhamento efetivamente relacionadas à definição de metas a serem alcançadas, com o devido monitoramento da execução.

Dentro de uma perspectiva holística, de forma que os melhores resultados sejam alcançados e a criação de valor seja maximizada, vale a seguinte reflexão de como o executivo da área financeira pode se comportar para atuar em parceria com a área de supply chain, partindo da abordagem proposta por Jeremy Hope, em seu excelente livro, “Reinventing the CFO”³.

  1. Financeiro como Parceiro, Analista e Conselheiro. O executivo financeiro tem papel fundamental em influenciar a área de supply chain, para que sejam priorizadas ações com melhor resultado e sustentabilidade, olhando a organização como um todo. Um pequeno exemplo que o financeiro pode capitanear consiste na implementação em conjunto com uma instituição financeira de um projeto de “risco sacado”, por meio do qual é possível (i) aprimorar condições de funding de fornecedores chaves; (ii) alongar o prazo de pagamento; e (iii) potencialmente reduzir o próprio custo das compras. Existem inúmeras oportunidades que podem ser criadas a partir de triangulações entre o financeiro, a área de supply chain e parceiros externos, como fornecedores, transportadores e clientes.
  2. Financeiro como Guerreiro contra o Desperdício. A área financeira precisa estar atenta aos “custos invisíveis”, que são atividades que não agregam valor e consomem parcela importante dos recursos em todas as empresas. Quando atuei como diretor de operações de um sistema de ensino, vivíamos constante corrida contra o tempo para fazer o material didático ficar pronto em tempo hábil de chegar nas mãos dos alunos antes do início de cada ano letivo. O ciclo de produção era longo, desde o projeto autoral, passando por toda intervenção editorial, contratação e produção gráfica, recepção, armazenagem e distribuição assertiva e tempestiva para as escolas. No momento em que juntamos na mesma mesa as diversas áreas internas da cadeia produtiva, junto com o fornecedor gráfico e o principal cliente, iniciamos um ciclo virtuoso de redução de ruídos e lead time. Chegamos, inclusive, a alterar o modal de transporte para o principal cliente, um distribuidor responsável pela região Nordeste. Economizamos dois terços dos custos com frete, passando do modal rodoviário para o marítimo, além de melhorar a qualidade do estado de chegada do material no destino. Em outra oportunidade, um funcionário “assistente de logística” trouxe uma sugestão “simples” que ninguém havia pensado e, com isso, eliminou um processo que consumia 3 a 4 dias preciosos no lead time. A sugestão consistia em substituir os espirais coloridos, que acompanhavam as diferentes cores de capas das apostilas, por espirais transparentes, que poderiam ser adquiridos com antecedência e estocados, diferente dos coloridos, que eram produzidos sob encomenda, os quais, por vezes, eram comprados somente após a impressão das capas para adequação da combinação de cores.
  3. Financeiro como Mestre da Medição. A medição de desempenho pode oferecer armadilhas e informações equivocadas que podem gerar ações e comportamentos inadequados dos gestores da cadeia de suprimentos. A proposta é que a medição seja utilizada como ferramenta de diálogo da gestão de desempenho. O financeiro tem papel crucial para analisar e escolher as medidas, que sejam derivadas de um propósito ou estratégia, e possam ser utilizadas para avaliar a performance em relação aos pares e períodos anteriores. É importante que as medidas sejam vistas como padrões, tendências e irregularidades, mais que contar histórias a respeito do que aconteceu em determinado período. Ao analisar tendências, observamos direções de desempenho que levam a ações mais assertivas para obter uma melhoria.
  4. Financeiro como Regulador do Risco. É função intrínseca da área financeira atuar como reguladora do risco nas corporações, interagindo com os stakeholders e mapeando os eventos de risco, seus impactos e probabilidades. Esse papel é vital junto com os responsáveis pelo supply chain, de forma a ter uma visão equilibrada e realista, para que planos contingenciais e de mitigação possam ser construídos. Por exemplo, é fundamental o monitoramento da saúde financeira de fornecedores chave, e isso precisa ser feito em conjunto com os gestores da cadeia de suprimentos, de modo que eventual “plano B” possa ser construído.
  5. Financeiro como Arquiteto da Gestão Adaptativa. O gestor financeiro precisa cada vez mais agir com foco em revisão contínua, previsão dinâmica, análise de tendências e a proposição de indicadores chave. Ele precisa atuar como provocador da mudança em relação às demais áreas da empresa e, em especial, aos seus colegas da cadeia de suprimentos. Papel cada vez mais crucial, tendo em vista a rápida evolução de novas tecnologias e a velocidade com que surgem novas ameaças e oportunidades em todos os setores de atuação.
  6. Financeiro como Defensor da Liberdade. Talvez a principal contribuição que uma área financeira moderna e eficiente possa fazer seja guerrear, sem tréguas, contra o desperdício de tempo gasto em atividades que não criam nenhum valor para a Companhia e, dessa forma, liberar tempo precioso para que todo o time possa evoluir do transacional para o analítico. Somente desse modo, haverá espaço para real contribuição e parceria com a área de supply chain. Em plena era de Big Data, existe uma tendência natural em criar cada vez mais medidas e relatórios, em sua grande maioria inúteis, que acabam sobrecarregando a capacidade da gerência de reagir adequadamente às inconstâncias do mercado, bem como prejudicam a aptidão do gerente em absorver o que de fato é essencial e reagir adequadamente. A beleza reside na simplicidade, transparência e responsabilidade.

Por fim, a moderna abordagem de geração de valor dos times de finanças pode contribuir muito com a área de supply chain das empresas. Resultados extraordinários podem ser obtidos por uma atuação conjunta, coordenada e empática. Essa integração pode transformar em soluções os dilemas previamente existentes, quando as áreas operavam em silos, e potencializar o desempenho em um ambiente de negócios cada vez mais desafiador, principalmente em momentos de crise econômica e incertezas no mercado.

Notas

¹WACC (weighted average cost of capital): custo médio ponderado de capital, calculado pela proporção entre capital próprio e capital de terceiros existente na Companhia.

²Professor Michel Fleuriet: (https://www.modelo-fleuriet.com/) Professor associado Fundação Dom Cabral, Professor afiliado Université Paris-Dauphine, Fundador e Co-Director do Master 268 Banques de investimento e de mercado, autor no Brasil dos livros “A dinâmica financeira das empresas brasileiras” (Brasil, 1977, 1980), “O modelo Fleuriet”(Campus Ed. 2003), “A arte e a ciência das finanças” (2003).

³ Reinventing the CFO: How Financial Managers Can Transform Their Roles and Add Greater Value. Jeremy Hope, Harvard Business Press, 2006

Marcus Mingoni Marcus Mingoni

Administrador de Empresas (FGV), MBA em Finanças (Insper). Ampla experiência em gestão estratégica nas áreas financeira e operacional, tendo atuado como CFO em empresas de grande porte do Varejo, Indústria e Educação. Sólida vivência em operações de M&A e projetos multidisciplinares de redução de custos e otimização de caixa. Atualmente, é Partner na Connexxion Consulting.

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