Facebook Twitter Linkedin Instagram Youtube telegram
Conteúdo 22 de novembro de 2023

Logística Inteligente: Vencendo o Desafio dos Quilômetros Vazios

O setor varejista enfrenta um desafio premente e significativo: as quilometragens vazias, também conhecidas como quilômetros sem receita ou quilômetros mortos. Na operação varejista, mercadorias são transportadas dos fornecedores para os Centros de Distribuição (CDs) e destes para a lojas, em alguns casos, direto para o consumidor, para atender seus pedidos. No entanto, durante o retorno ou na movimentação entre esses pontos, os veículos frequentemente voltam vazios, acarretando custos adicionais, como combustível, salários dos motoristas e despesas de manutenção, além de contribuir para uma pegada de carbono maior.

Diante dessas consequências, torna-se imperativo que essas empresas adotem medidas para reduzir essas quilometragens vazias. Neste artigo, exploraremos em detalhes esse desafio crítico e discutiremos estratégias para abordá-lo, aprimorando, assim, a eficiência operacional das empresas.

Problema

 

A prática conhecida como “batendo lata”, que envolve retornar de uma viagem com um caminhão vazio, representa um desafio significativo. Estatísticas recentes revelam que esse problema afeta não apenas o setor varejista, mas tem um impacto abrangente em todo o sistema de transporte, com aproximadamente 50% dos caminhões em circulação voltando sem carga a bordo.

Algumas das principais razões pelas quais as viagens “batendo lata” constituem uma preocupação abrangente incluem:

– Falta de Geração de Receita: Durante as viagens “batendo lata,” as empresas de transporte não conseguem gerar receita, comprometendo a eficiência operacional de todo o sistema.

– Custos Adicionais para Transportadoras e Motoristas: A prática de viagens “batendo lata” gera custos adicionais, tanto para as transportadoras quanto para os motoristas, abrangendo despesas como o salário do motorista, consumo de combustível e tempo de espera nos Centros de Distribuição ou hubs logísticos.

– Aumento das Emissões de Gases de Efeito Estufa: O transporte em viagens “batendo lata” contribui para o aumento das emissões de gases de efeito estufa, sem que haja carga útil sendo transportada, prejudicando o meio ambiente e a sustentabilidade de todo o sistema de transporte.

– Custos de Manutenção Incorridos: Mesmo quando não estão transportando carga, os caminhões em viagens “batendo lata” ainda estão sujeitos a custos de manutenção, o que representa uma despesa adicional para as empresas de transporte e afeta negativamente o sistema como um todo.

Os quilômetros vazios de retorno representam um problema dispendioso e ineficaz, resultando em perda de receita, práticas insustentáveis e, em alguns casos, até mesmo situações de risco para os motoristas. Três dos principais fatores impulsionadores dos quilômetros vazios são o planejamento de rotas inadequado, incerteza da demanda e os requisitos de nível de serviço

 

Planejamento de Rotas

 

No Brasil, o transporte rodoviário é o principal método de movimentação de mercadorias, e os varejistas enfrentam desafios consideráveis ao planejar suas rotas de rede. Além de levar em conta fatores como demanda, infraestrutura e disponibilidade de equipamentos, eles também precisam considerar aspectos relacionados aos custos de transporte e manuseio, horários de atendimento e regulamentações para motoristas. O tempo máximo de condução para veículos comerciais no Brasil é de 11 horas após 11 horas consecutivas de descanso. Normalmente, os motoristas retornam ao seu Centro de Distribuição no final do período de programação. Nesse cenário de “retorno”, a porcentagem média de quilômetros vazios é de aproximadamente 30%. No entanto, essa porcentagem diminui significativamente, para cerca de 5%, quando o retorno não é obrigatório. Isso sugere que a política de retorno, na qual os motoristas são obrigados a voltar ao terminal de origem, pode contribuir significativamente para o aumento dos quilômetros vazios, uma vez que os caminhões retornam vazios após a entrega de carga em seus destinos

 

Incerteza da demanda

 

A interação entre a incerteza na demanda e a escassez de cargas de retorno é um desafio substancial no cenário do transporte no Brasil. Esse cenário é marcado por frequentes flutuações na procura por serviços de transporte de mercadorias, o que muitas vezes resulta em caminhões retornando sem carga. Isso não apenas inflaciona os custos operacionais, como também aumenta a ineficiência global das operações de transporte. A busca por cargas de retorno adequadas torna-se uma tarefa árdua e impacta negativamente a rentabilidade e a sustentabilidade das empresas no setor de transporte de mercadorias.

 

Requisito de Nível de Serviço

 

O processo de atendimento de pedidos diretos ao consumidor pode ser dividido em três estágios essenciais: (1) aceitação do pedido, (2) seleção e atendimento do pedido e (3) entrega do pedido. Cada um desses estágios desempenha um papel fundamental na prestação de um serviço de excelência ao cliente, ao mesmo tempo em que se busca manter os custos em um nível aceitável de serviço. A etapa de entrega do produto diretamente na porta do cliente é notoriamente complexa devido a diversos fatores e pode se tornar bastante onerosa. Quando os consumidores têm requisitos de nível de serviço elevados, isso tende a incentivar os varejistas a optarem por entregas diretas do fornecedor ao cliente, sem a consolidação de cargas para otimizar as rotas. No entanto, essa escolha pode resultar em um aumento dos quilômetros vazios, uma vez que os veículos nem sempre estarão completamente carregados em todas as viagens. Portanto, é importante reconhecer que requisitos de nível de serviço mais rigorosos podem, de fato, contribuir para o aumento dos quilômetros vazios.

.

Estratégias para reduzir os quilômetros vazios

 

Existem várias estratégias para reduzir as milhas vazias, incluindo (1) identificar oportunidades de consolidar cargas, (2) identificação dos pontos de consolidação de carga adequados, (3) combinar entregas com viagens de retorno e (4) utilizar análise de dados e ferramentas de tecnologia para otimizar rotas e horários.

 

  1. Identificação de oportunidades de consolidação de cargas

A abordagem da Gestão Colaborativa de Transporte (GCT) tem como principal objetivo otimizar as operações de transporte, reduzir custos e elevar a qualidade do serviço. Ela é alcançada por meio do desenvolvimento de relacionamentos colaborativos entre lojas, fornecedores, transportadoras e Operadores Logísticos (3PLs) para a consolidação de cargas. Isso permite que um varejista efetue entregas em lojas ou clientes finais e colete produtos de fornecedores previamente agendados antes de retornar ao Centro de Distribuição. O uso de tecnologias como Sistemas de Gerenciamento de Transporte (TMS), roteirizadores (VRP), Torre de Controle (TC) e Intercâmbio Eletrônico de Dados (EDI) facilita a comunicação e a colaboração entre todas as partes envolvidas. Os benefícios da GCT incluem a redução dos custos de transporte, o aumento da utilização de ativos, a melhoria dos níveis de serviço, a maior visibilidade operacional, a satisfação aprimorada dos clientes finais e o aumento das receitas.

 

  1. Identificação dos pontos de consolidação de carga adequados

É importante destacar que muitas empresas de transporte e varejistas não conduzem estudos adequados para determinar os locais ideais para seus Centros de Distribuição, hubs, filiais e pontos de Cross Docking. Isso resulta tanto em excesso quanto em falta de pontos de consolidação, cada um com suas próprias consequências. O excesso de pontos gera paradas desnecessárias para os veículos, aumentando custos e tempo de entrega. Por outro lado, a falta de pontos adequados resulta em custos mais altos na última etapa da entrega (last mile) e problemas relacionados à ocupação eficiente dos veículos. Portanto, é fundamental que as empresas conduzam análises criteriosas para identificar os locais mais apropriados para a consolidação de carga, otimizando, assim, suas operações logísticas e reduzindo custos desnecessários.

 

  1. Combinar entregas com viagens de retorno

A otimização de backhaul é um processo estratégico que busca aprimorar a eficiência no transporte de mercadorias, minimizando o número de veículos que retornam vazios ou parcialmente carregados após as entregas. Essa abordagem concentra-se em encontrar as combinações ideais para um conjunto específico de entregas e pontos de coleta. No entanto, para garantir sua eficácia, algumas restrições fundamentais precisam ser consideradas:

– Origem e Destino: Cada veículo deve iniciar sua rota no Centro de Distribuição e encerrá-la lá, garantindo um ciclo completo;

– Rota Única: Cada veículo realiza apenas uma rota, o que significa que não pode ser dividido em várias viagens independentes;

– Demanda Separada: A demanda total dos clientes para entregas e coletas deve ser tratada separadamente, e a capacidade total do veículo não pode ser excedida em nenhum desses aspectos;

– Visitas Únicas: Cada cliente ou fornecedor deve ser visitado precisamente uma vez, de acordo com os horários acordados, para evitar duplicações e otimizar o uso dos veículos;

– Entregas antes das Coletas: As entregas devem ser concluídas em cada rota antes que ocorram quaisquer coletas, uma vez que rearranjar as cargas dos caminhões nos pontos de entrega seria impraticável e ineficiente.

Este modelo é especialmente adequado como uma ferramenta de planejamento que pode ser executada em intervalos semanais ou mensais. Ele tem a capacidade de identificar quais terminais devem realizar o backhaul entre si, estimar o número de cargas envolvidas nesses backhauls e calcular as economias potenciais em quilômetros vazios por meio da implementação eficaz do backhaul. Um aspecto valioso é que qualquer carga pode servir como backhaul, permitindo que um caminhão baseado em qualquer terminal complete esse loop sem aumentar a quilometragem vazia percorrida. Isso maximiza a eficiência operacional e contribui para a redução de custos e do impacto ambiental associados ao transporte rodoviário.

Outra estratégia possível é a Roteirização de Veículos com Coleta e Entrega Intercaladas. Diferentemente de abordagens backhaul, que segue uma sequência linear de coletas e entregas, essa estratégia busca otimizar a combinação de destinos e pontos de coleta ao longo da rota.

Os princípios-chave desta abordagem incluem:

– Início e Término na Base: Cada rota começa e termina no depósito central ou Centro de Distribuição, garantindo um ciclo completo que permite aos veículos maximizarem sua eficiência;

– Atendimento Único a Clientes: Cada cliente é atendido em uma única visita, evitando duplicações e garantindo que apenas um veículo seja designado para atender a um cliente específico;

– Respeito à Capacidade do Veículo: A capacidade do veículo não pode ser excedida ao longo de sua rota, levando em consideração a combinação das demandas de coleta e entrega;

– Atendimento Completo das Demandas: Todas as demandas específicas de coleta e entrega de cada cliente devem ser integralmente atendidas ao longo da rota, assegurando a satisfação do cliente e o cumprimento dos compromissos.

O objetivo subjacente dessa estratégia é otimizar a logística, garantindo que os recursos veiculares sejam utilizados de forma eficaz e que os custos operacionais sejam minimizados. Ao permitir a intercalação de coletas e entregas ao longo da rota, essa abordagem contribui para a eficiência geral do sistema de transporte e é particularmente valiosa em áreas urbanas densamente povoadas, onde a otimização de rotas é essencial para evitar congestionamentos e atrasos desnecessários.

 

  1. Utilizar análise de dados e tecnologia para otimizar rotas e horários

Técnicas de mineração de dados e otimização são essenciais para melhorar a eficiência do transporte, reduzir quilômetros vazios e economizar custos. Essas ferramentas inteligentes aplicam técnicas de mineração de dados para identificar oportunidades de backhaul, tornando-as visíveis mesmo quando não são óbvias de imediato. Isso envolve o uso de algoritmos de roteirização, análise de dados históricos, aprendizado de máquina, programação eficiente, redes neurais artificiais, algoritmos genéticos e sistemas de informação geográfica para tomar decisões mais inteligentes. Essas abordagens ajudam as empresas a reduzirem o desperdício de recursos, economizar dinheiro e melhorar a eficiência operacional em suas operações de transporte.

 

Exemplo de Aplicação

 

As figuras abaixo ilustram uma implementação de uma estratégia de otimização de backhaul em uma varejista. No cenário Baseline, os fornecedores do varejista entregam mercadorias no Centro de Distribuição, e os veículos dedicados do varejista entregam mercadorias em suas lojas. O problema é que os veículos dos fornecedores e os que abastecem as lojas retornam vazios a seus pontos de origem.

No cenário otimizado de backhaul, os veículos dedicados do varejista abastecem as lojas e, em seguida, passam nos fornecedores para realizar coletas programadas. Os fornecedores não entregam mais mercadorias no CDs, aguardam a passagem do veículo dedicado do varejista.

Neste cenário otimizado, estimou-se uma redução de custos de aproximadamente 30%. Todos os veículos de terceiros foram substituídos por veículos dedicados. Essa abordagem demonstra como a otimização do backhaul pode efetivamente minimizar os quilômetros vazios, aumentando a eficiência operacional e reduzindo os custos associados ao transporte.

 

Considerações Finais

 

A redução dos quilômetros vazios no setor varejista é de suma importância, não apenas para economizar recursos e diminuir custos, mas também para minimizar o impacto ambiental. As estratégias que discutimos neste artigo, como a Gestão Colaborativa de Transporte (GCT) e a otimização de rotas, oferecem abordagens práticas para lidar com esse desafio.

A colaboração entre os participantes da rede de suprimentos, a identificação cuidadosa dos locais adequados para consolidar cargas e a aplicação de análise de dados e tecnologia desempenham papéis cruciais na solução desse problema.

Ao adotar essas estratégias, as empresas varejistas podem aprimorar sua eficiência operacional, reduzir despesas e contribuir para um transporte mais sustentável. Em um ambiente de mercado em constante evolução, aqueles que investem na redução dos quilômetros vazios estão posicionados para enfrentar com sucesso os desafios futuros e prosperar.

Prof. Dr. Mauro Sampaio Prof. Dr. Mauro Sampaio

Pós-doutorado em Administração pelo Fischer College of Business da Ohio State University (OSU-USA) e pela Chalmers University of Technology (CHALMERS-Suécia). Doutor e Mestre em Administração de Empresas pela EAESP/FGV. Engenheiro de Produção-Materiais pela Universidade Federal de São Carlos (UFScar). Atualmente, professor adjunto do Departamento de Engenharia de Produção do Centro Universitário FEI. Atua profissionalmente como professor e pesquisador. Seus temas de interesse são: Produção e Operações, Supply Chain Management e Logística.

Enersys
Volvo
Savoy
Retrak
postal