Facebook Twitter Linkedin Instagram Youtube telegram
Conteúdo 15 de abril de 2024

No transporte de cargas, a avaliação de R$ por quilômetro é um parâmetro que simplifica, mas não explica tudo

Estou retomando este assunto porque, em face de minha atuação como consultor logístico e da participação em palestras nas quais se discute o aumento do custo logístico, o tema não é abordado de forma completa.

Valendo-se de estatísticas publicadas por instituições que estudam a logística, representantes empresariais e executivos brasileiros, dos mais diversos segmentos econômicos, podemos afirmar que o aumento dos custos logísticos é um daqueles que contribuem para a diminuição das margens de rentabilidade das empresas usuárias.

De fato, é incontestável que em um país com as dimensões continentais como o Brasil, e considerando ainda sua precária infraestrutura logística, os custos relativos à movimentação de mercadorias (insumos ou produtos finais) têm aumentado de forma significativa e, até mesmo, acima dos demais custos operacionais. É óbvio e importante reconhecer também que um desenho logístico “ineficaz” contribui para que esses aumentos sejam ainda maiores.

Por outro lado, independentemente do tipo de problema, compreendemos que a sua solução está, antes de tudo, na realização de um diagnóstico preciso e confiável. Do contrário, correremos sérios riscos, posto que determinadas “soluções” não atacarão o principal problema e poderão se limitar a um processo de “tentativa e erro”. Nesse processo, se tivermos sorte, poderemos encontrar a solução já na primeira tentativa. Como a “sorte” nem sempre está disponível, incorremos em danos que, às vezes, são irreparáveis.

Portanto, o correto diagnóstico é imprescindível e fundamental para se buscar e desenvolver soluções efetivas. E esse diagnóstico somente será possível a partir de processos de medição que reflitam a operação que se quer analisar.

Isto, evidentemente, também serve para a logística, na medida em que observamos, de uma forma razoavelmente “corriqueira”, diagnósticos mal- feitos e que geram soluções incompletas e até mesmo incorretas. Em alguns casos agravando ainda mais os problemas já existentes.

Há muitos anos eu defendo que é preciso diferenciar o “gasto” do “custo” logístico, pois o simples cálculo do percentual dos custos logísticos com relação à receita líquida das empresas, sem uma análise mais detalhada, pode nos levar a erros. Deveria ser fácil compreender que aumento de “gastos” logísticos, proveniente, por exemplo, de vendas ou compras junto a mercados mais distantes, realizadas por motivações estratégicas e/ou comerciais, nada tem a ver com aumento de “custos“ logísticos.

Como se sabe, mais de 60% dos custos logísticos brasileiros são oriundos do transporte de cargas (destes, mais de 85% são com transporte rodoviário), sendo muito comum a utilização da equação R$ por km (custo logístico total de transporte dividido pela quilometragem total percorrida nessas operações, carregadas ou não), como principal, se não único, índice de desempenho e de avaliação das atividades do transporte. Para muitos é o índice que mede o nível de eficiência das operações de transporte de cargas.

Portanto, mais precisamente no transporte rodoviário de cargas, se de um período para outro o valor do R$/km aumentou, a conclusão, simplista a nosso ver, é a de que se teve aumento no custo desse transporte. Esse entendimento distorcido do problema gera, como consequência, avaliações incorretas e propostas que não resolvem as questões existentes, focando-se em variáveis de menor importância e sem quaisquer considerações a outras muito mais determinantes. Daí nossa observação de que mesmo que tenhamos tido aumento dos gastos com transporte, não necessariamente estamos tendo aumento de custos com transporte. Embora possa ser difícil diferenciar essas duas palavras, é imprescindível sua compreensão, como única forma de se entender corretamente o tema aqui discutido.

Vejamos alguns exemplos: quando se consideram as diferentes condições (qualidade) das estradas, o custo do quilômetro rodado em São Paulo é o mesmo do Nordeste? Podemos considerar iguais os valores por quilômetro tanto nas operações rodoviárias quanto nas urbanas? Locais com altos índices de roubo de carga terão o mesmo custo por quilômetro se comparados a locais com baixos índices? Operações de lotação e fracionados têm os mesmos custos por km? E quando comparamos R$/km de operações dedicadas com aquelas não dedicadas? Para a mesma região, mas em épocas diferentes (época de chuvas, por exemplo) não há diferença de custos por km? Entregas programadas (cujo tempo para carga e descarga é claramente definido) “versus” entregas não programadas? Operações com contratos firmes e operações “spot”? Com idênticas quilometragens e tipos de equipamentos, mas com tempos de viagens totalmente diferentes, quando consideramos aumento do tempo de tráfego diante dos congestionamentos nas grandes cidades? Ou em função das restrições operacionais impostas para essas cidades? É óbvio que a resposta para todas essas perguntas é não, posto que, a menos que seja por coincidência, os custos por quilômetro não poderão ser iguais.

Não à toa existem dezenas de planilhas a respeito das tarifas do transporte rodoviário de cargas, mesmo quando se trata de valor do quilômetro rodado. Há planilhas por tipo de equipamento (van, caminhão até 12 toneladas, caminhão acima de 12 toneladas, carreta, etc.), por faixa de quilômetro (de 0 a 100 km, de 101 a 200 km, e assim por diante), por tipo de operação (lotação, fracionado), por tipo de carga (líquido, paletizado, carga solta, etc.), por destino (norte, sul, etc.), por tipo de produto (agrícola, industrial, de alta tecnologia, etc.), etc.

Porém, e aqui vai nossa crítica, parte-se sempre da condição de que outras variáveis – como aquelas aqui já citadas – são imutáveis e não têm qualquer impacto no custo do transporte. Ou seja, uma vez definida a tarifa para determinada faixa de quilômetro, para determinado tipo de equipamento, de carga e mercadoria, com origem e destino determinados, não há nada mais que possa influenciar, para mais ou para menos, essa tarifa (R$ por km). Segundo a maioria dos diagnósticos, qualquer alteração nessa relação de valor por quilômetro é fruto do nível de eficiência da operação ou do nível dos custos dos insumos necessários.

Ora, ao considerar apenas essas duas variáveis (valor da tarifa e o quilômetro percorrido), todos somos levados a uma simplificação que possibilita erros importantes de avaliação e que nem sempre reflete a realidade da operação em questão. Uma das consequências? Toda a pressão estará direcionada apenas para se diminuir o valor do quilômetro rodado (salutar em quaisquer circunstâncias). Em muitos dos casos, não é aqui que está o problema.

O aumento do tempo das viagens, oriundo do aumento do trânsito, das péssimas condições da maioria das estradas brasileiras, do tempo de carga ou descarga devido à falta de espaços nas plantas de remetentes ou destinatários, da restrição de trânsito em diversos lugares das grandes cidades (ou mesmo por causa do rodízio), ou da insegurança, por exemplo, fazem com que haja maior aumento do custo fixo do transporte. E, para esses problemas, a solução não está naquele que administra o transporte. Embora com grandes impactos nos custos de transporte e, consequentemente, nos custos logísticos, a solução para esses problemas foge do controle de quem os administra.

Diante do exposto e considerando que os prestadores de serviços logísticos, incluindo-se o transporte, desenvolvem soluções personalizadas e adaptadas às exigências e necessidades de cada cliente e que, por não terem solução única, elaboram suas tarifas com base em projetos desenvolvidos especificamente para esse cliente, nos quais a relação custo/benefício é fator de maior importância, podemos concluir que:

 

1º) parcela significativa do aumento dos gastos logísticos é resultado de mudanças estratégicas das empresas, quando descobrem novos mercados – mais distantes e complexos, tanto para aquisição de insumos como para venda de produtos acabados, nada tendo a ver com o grau da “eficiência logística”.

 

2º) parte importante, ou até mesmo a sua totalidade, do aumento do valor por quilômetro das mercadorias transportadas pode estar ligado a fatos externos às específicas atividades de transporte e não, necessariamente, à qualidade do operador ou da solução apresentada; e

 

3º) juntamente com o índice R$ por km, devem ser analisados outros índices que reflitam diferentes operações de transporte e suas diferentes complexidades, tais como volumes transportados, tempos de viagem, tempos de carregamento e descarregamento, região e locais das operações, tipos de mercadorias, etc.

A não consideração desses pontos, em quaisquer análises sobre a eficiência das operações logísticas e, mais especificamente, das operações de transporte de cargas, nos levará a diagnósticos incorretos, injustos e, consequentemente, prontos para indicar soluções que, na melhor das hipóteses, não têm qualquer efeito, podendo, em cenários mais pessimistas, agravar ainda mais aquilo que já era crítico.

Paulo Roberto Guedes Paulo Roberto Guedes

Formado em ciências econômicas (Universidade Brás Cubas de Mogi das Cruzes) e mestre em administração de empresas (Escola de Administração de Empresas de São Paulo/FGV). Professor de logística em cursos de pós-graduação na FIA (Fundação Instituto de Administração), ENS (Escola Nacional de Seguros) e FIPECAFI (Fundação Instituto de Pesquisas Contábeis, Atuariais e Financeiras). Membro do Conselho Consultivo da ABOL – Associação Brasileira de Operadores Logísticos, da qual também foi fundador. Membro do Conselho de Administração da ANHUMAS Corretora de Seguros. Diretor de Logística do CIST – Clube Internacional de Seguro de Transporte. Consultor Associado do escritório de Nelson Faria Advogados. Consultor empresarial e palestrante nas áreas de planejamento estratégico, economia e logística. Articulista de diversas revistas e sites, tem mais de 180 artigos publicados. Exerceu cargos de direção em diversas empresas (Veloce Logística, Armazéns Gerais Columbia, Tegma Logística Automotiva, Ryder do Brasil e Cia. Transportadora e Comercial Translor) e em associações dos setores de logística e de transporte (ABOL – Assoc. Brasileira de Operadores Logísticos, NTC&L – Assoc. Nacional do Transporte de Cargas e Logística, ANTV – Assoc. Nacional dos Transportadores de Veículos, ABTI – Assoc. Brasileira de Transp. Internacional e COMTRIM – Comissão de Transporte Internacional da NTC&L). Exerceu cargos de consultoria e aconselhamento em instituição de ensino e pesquisa (Celog-Centro de Excelência em Logística da FGV), de empresas do setor logístico (Veloce, Columbia Logística, Columbia Trading, Eadi Salvador, Consórcio ZFM Resende, Ryder e Translor) e de instituição portuária (CAP-Conselho de Autoridade Portuária dos Portos de Vitória e Barra do Riacho do Espírito Santo). Lecionou em cursos de pós-graduação na área de Logística Empresarial na EAESP/FGV (Escola de Administração de Empresas de São Paulo da Fundação Getúlio Vargas) e em cursos de graduação de economia e administração de empresas em diversas faculdades (FAAP-Fundação Armando Álvares Penteado, Universidade Santana, Faculdades Ibero Americana e Universidade Brás Cubas). Por serviços prestados à classe dos Economistas, agraciado com a Medalha Ministro Celso Furtado, outorgada pelo Conselho Regional de Economia de São Paulo.

Enersys
Volvo
Savoy
Retrak
postal