Os círculos viciosos e virtuosos do transporte
No transporte rodoviário de cargas há uma premissa universal que diz que “caminhão parado no pátio é prejuízo”; seja porque não há mercadorias para serem transportadas (talvez porque a frota esteja mal dimensionada, a atividade econômica esteja em baixa, etc.) ou porque ele simplesmente está impossibilitando momentaneamente de fazê-lo (talvez porque esteja em manutenção, etc.).
Desta forma, a principal preocupação dos gestores de frota é justamente fazer com que os caminhões literalmente não parem, pois a bem grosso modo isto significa que a frota está bem dimensionada e que a transportadora está exercendo a sua atividade a pleno vapor, o que resultará no final do mês em resultados positivos e no crescimento do negócio. Será mesmo?
Se formos analisar apenas o que é feito com os caminhões, que ao lado dos motoristas são os bens mais preciosos das transportadoras, veremos que nem sempre o fato de os termos todos na rua o tempo todo significa eficiência operacional e dinheiro no bolso, pois a transportadora pode ter entrado no chamado “círculo vicioso da ineficiência” sem ter percebido. A lógica é simples: como a infraestrutura rodoviária no Brasil e o nível de qualificação dos motoristas ainda são muito baixos, o uso intensivo dos caminhões acabará gerando um desgaste excessivo nas peças, que por tabela necessitarão de um maior tempo para troca/reparo, o que diminuirá a vida útil do veículo e reduzirá o seu valor de revenda. Ou seja, o fato isolado dos caminhões rodarem vinte e quatro horas por dia carregados não quer dizer, em absoluto, que o somatório destas entregas no final do mês gerará lucro para as transportadoras – muito pelo contrário. Até mesmo porque há outro círculo vicioso importante, que é o do próprio mercado do transporte rodoviário de cargas em si, em que independentemente da otimização da frota e da atividade econômica do país (que também vive de ciclos), como há poucas barreiras de entrada neste setor, há um aumento natural e quase irracional da oferta de serviços de transporte (seja através de frota própria ou através da frota de autônomos), forçando assim a diminuição dos valores dos fretes.
Com menos dinheiro no bolso e a necessidade de não deixar os caminhões parados, o nível de manutenção acaba sendo inadequado ou simplesmente postergado, o nível de renovação acaba sendo baixo, os motoristas acabam fazendo jornadas extras, os caminhões andam com sobrepeso, aumentando assim o risco de acidente em estradas, gerando perdas tanto em vidas para a sociedade como também em mercadorias para os contratantes destes serviços de transportes. E uma vez havendo continuamente a intersecção destes dois ciclos, o final da história invariavelmente será sempre o mesmo: a “morte súbita” (ou quase) das transportadoras, independentemente de elas andarem com os seus caminhões sempre carregados ou não (o que agrava ainda mais a situação).
E há solução para sairmos destes círculos viciosos e entrarmos num círculo virtuoso genuíno? Sim, como já comentamos de certa forma na coluna “A gestão comportamental e os custos invisíveis”, a partir do momento em que as transportadoras começarem efetivamente a utilizarem ferramentas que as permitam fazer a gestão do comportamento dos motoristas ao volante e aliar isto às boas ferramentas para a gestão operacional (além de investir em capacitação, tecnologia e terceirização), este círculo se inverterá, pois os motoristas passarão a dirigir com mais segurança, reduzindo assim os custos por km rodado, aumentando a produtividade e a vida útil dos caminhões, e gerando maior competividade para as transportadoras não só se manterem, como, principalmente, prosperarem neste mercado.