Facebook Twitter Linkedin Instagram Youtube telegram
Conteúdo 30 de março de 2009

A cor (azul) do preconceito

A parte pensante da sociedade brasileira já se acostumou, embora não entenda isso como normal, com os desatinos das falas de improviso do presidente Luís Inácio Lula da Silva. É sabido também que suas declarações, por mais intempestivas que possam ser, de algum modo conseguem atingir o universo da massa brasileira iletrada que forma o grosso de seu eleitorado. Tudo isso é de conhecimento público e de alguma maneira minimiza o impacto das frequentes falas fora de tom do presidente.

Ainda assim, e uma vez mais, buscando no improviso criar frase de efeito, Lula aprofundou, como tem feito seu governo, uma situação de luta de classes, de distanciamento de etnias que, no Brasil, em toda a sua história, nunca foi motivo para preocupações maiores do que os preconceitos que costumam permear as relações humanas. Jamais, no Brasil, esses preconceitos chegaram a gerar profundos choques, confrontos e ódios públicos.

O próprio presidente, evidenciando o que Nelson Rodrigues chamava de "complexo de vira-lata", exacerba os eventuais conflitos preconceituosos adormecidos (me refiro ao grau e não ao gênero) ao destacar "os homens de olhos azuis", como fez perante o primeiro ministro da Grã-Bretanha, Gordon Brown, semana passada, em Brasília.

Ao alegar em sua fala de improviso que a crise financeira internacional não foi provocada por negros, índios e outras etnias ( já as considerando a priori inferiores), mas pelos "brancos de olhos azuis", razão pela qual aqueles não poderiam pagar pelas consequências, o presidente brasileiro revelou o quanto tem de preconceito latente e acirrou uma diferenciação desnecessária no País.

As cotas para negros, as distinções que se procuram fazer também para índios, os privilégios que se buscam dar às minorias, conflitam com o dispositivo constitucional pelo qual todos são iguais perante a lei e insuflam o cidadão a começar a olhar de lado e de forma desconfiada para seu semelhante pátrio.

Nunca antes na história deste país houve algo semelhante. Exclua-se a escravidão, que foi extinta e é abominada em qualquer análise que se queira fazer a respeito.

Fica evidente, a cada declaração do presidente da República, que ele está contagiado pelo alto grau de popularidade de seu governo (estaria começando a cair com os 5% a menos da última pesquisa?) e tomado por uma soberba perigosa, que pode deturpar a normal avaliação dos fatos.

A mídia, no dia seguinte à declaração dos olhos azuis, revelou os homens afro-americanos que tiveram participação na fomentação da crise que nasceu nos Estados Unidos. Não são eles os culpados, como não se pode atribuir responsabilidade pela cor da pele ou dos olhos a situações negativas. Para citar dois seres humanos deploráveis, Hitler era branco, de olhos claros, mas Idi Amin Dada, de Uganda, tinha a pele e os olhos escuros.

O presidente da República é um símbolo. É também no Brasil, o Chefe de Estado, além de Chefe do Governo. Não deveria se permitir certas liberalidades, como a cometida perante o primeiro-ministro inglês, que constrangem e atuam de forma negativa.

Mas quem está preocupado com isso?

E pensar que "old blue eyes" era uma referência elogiosa a um dos maiores cantores que o mundo já ouviu, o "branco" Frank Sinatra. Se bem que , de minha parte, sempre achei Ray Charles, negro e cego, o melhor.

Paulo Saab é jornalista

Fonte: Diário do Comércio – www.dcomercio.com.br

Enersys
Volvo
Savoy
Retrak
postal