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Conteúdo 26 de julho de 2008

Cortando na própria carne

O que determina o rumo da vida, o destino ou a vontade? Questão antiga, que Hölderlin respondeu dizendo que se o homem é servo da natureza, ela também depende dele e Ortega y Gasset disse que o homem é si mesmo e sua circunstância . Onde há responsabilidade, a vontade contrabalança o destino. O que vale para os homens talvez também valha para as nações. Na Grécia Antiga, quando o desconhecido se tornava opressivo, consultava-se um oráculo, que transformava o saber divino em conhecimento humano. Por três vezes o oráculo de Delfos é invocado no Édipo Rei , a imortal tragédia de Sófocles. O desenlace é conhecido. À medida que o oráculo revelava, primeiro ao casal real Laio e Jocasta, e depois a Édipo, filho deles, o crime monstruoso do filho que mata o pai e desposa a mãe, para, finalmente, na terceira invocação, prometer a salvação de Tebas da peste que a assolava em troca da expiação dos crimes monstruosos do passado, o conhecimento transmitido se transforma em ações erradas e em tragédia.

Também estamos, nós, sendo assolados pelas conseqüências que advirão do aumento da taxa Selic em 75 pontos base. Como na tragédia de Édipo, não deixaram de se pronunciar os oráculos. E, da mesma forma do ocorrido na tragédia, as autoridades preferiram ignorá-los, aferrando-se à crença inconseqüente de que o crescimento da economia resolveria por si só todos os problemas. Os oráculos se manifestaram, primeiro sobre a rápida deterioração da balança comercial que se avizinhava. O crescimento mais rápido das importações que o das exportações não trazia bons presságios, e os oráculos apontaram que os gastos totais da economia – com consumo, investimento e despesas do governo – logo excederiam a disponibilidade de bens e serviços no País. A mensagem era clara, mas foi ignorada: era preciso cortar os gastos, preferentemente os gastos correntes do governo, se se quisesse evitar que remédios amargos viessem a se tornar necessários.

No final do ano passado os oráculos novamente se manifestaram. Começavam a se acumular pressões inflacionárias, decorrentes tanto do excesso de gastos interno como da pressão externa da alta dos preços internacionais das commodities exportadas pelo País. Quanto às pressões externas, pouco havia a fazer; elas eram decorrência da inconseqüência das políticas expansionistas dos principais bancos e da vigorosa expansão das economias chinesa e indiana desde 2002.

Já com relação às pressões internas, havia muito a fazer. Os oráculos persistiam em sua monótona repetição de que estávamos diante de uma bifurcação na estrada: ou se subia as taxas de juros – refreando o consumo e o investimento do setor privado, o motor da economia -, ou se promovia rapidamente um corte acentuado nas despesas correntes do governo, salvaguardando o setor privado dos cortes. Novamente, as autoridades interpretaram incorretamente a mensagem dos oráculos. A rejeição da CPMF não serviu de obstáculo. E, a despeito da carga tributária crescer, não se reduziram as despesas do governo.

Diante desse quadro, continuou a acelerar a inflação. É dessa forma que se comprime o poder de compra daqueles – o povão – que estão incapacitados de dela se protegerem, através de investimentos no mercado financeiro. Como o lado fiscal continuou e continua insensível diante da gravidade da aceleração da inflação, restou o recurso à alta dos juros. É um remédio amargo, porque castiga somente o inocente nessa tragédia, o setor privado. Não são as pessoas e as empresas que fazem o excesso de gastos e a inflação, é o governo.

A nova Selic vai cortar na carne os gastos do setor privado. De quanto serão os aumentos que faltam até o final do ano? Quando o oráculo se pronunciar pela terceira vez nesta tragédia que vai se anunciando, será para prever que o crescimento se reduzirá. E, com ironia, dirá que tudo isso estava anunciado desde o início, mas ninguém se importou.

Fonte: www.dcomercio.com.br

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