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Conteúdo 11 de abril de 2008

Inflação e lorota

Os principais jornais do país estão dando como praticamente certo o aumento dos juros pelo Conselho de Política Monetária, que deverá se reunir nos próximos dias.

O argumento central para tal alta estaria ligado à disparada inflacionária dos gêneros alimentícios. De fato, de acordo com o IPCA, o grupo de produtos em foco teve majoração 0,89% em março e de 11,22% nos últimos doze meses. Realmente são percentuais consideráveis para um país que varreu a hiperinflação há quase 14 anos.

Mas antes de simplesmente aceitarmos tal argumento, é importante avaliar a realidade de maneira mais precisa. O conceito de inflação envolve o aumento generalizado dos preços. No caso brasileiro o pico só está acontecendo no setor alimentício. Os demais segmentos de preços encontram-se em patamares aceitáveis, sendo as despesas pessoais o item de maior variação, aumentando 6,14% nos últimos doze meses, o que não chega a ser algo muito preocupante. Os demais grupos de consumo estão no patamar de 4% ao ano, ou menos.

De acordo com esse quadro, aparentemente os juros vão subir porque os brasileiros resolveram abandonar a dieta e se atirar de corpo e alma aos prazeres da mesa,  imaginando que a inflação causadora de aumento de juros é aquela associada ao crescimento desmesurado da demanda.

Hora de procurar novamente o apoio dos fatos. De acordo com o IBGE, o volume de vendas do comércio varejista do país cresceu 9,95%, com as atividades voltadas ao consumo de alimentos aumentando 6,72%. Por outro lado, segmentos como equipamentos de informática registraram alta superior a 30% e nem por isso foram acusados de pressionar preços.

Daí temos um contra-senso, com a modalidade de produtos de menor expansão de demanda assumindo o papel de vilão para justificar o aumento da Selic.

O leitor já deve ter percebido que tem alguma coisa que não fecha direito nesse raciocínio. Na verdade, puxando um pouco pela memória é possível lembrar da polêmica ocorrida em março, quando o governo federal expôs a perspectiva de subir os juros em função da explosão do consumo de veículos. Naquela época conferimos a informação, identificando queda de preços no setor, o que colocou por água abaixo a tese de aumentar o custo do dinheiro.

Agora a situação é parecida. De fato, o preço dos alimentos tem aumentado de maneira acelerada; mas a causa disso não é a disparada de demanda, mas sim os efeitos decorrentes da elevação global do valor das commodities e frustrações na colheita de hortigranjeiros, em virtude de instabilidades climáticas. Seguramente, juros mais altos não resolverão esses problemas.

E então, vamos deixar de engolir qualquer lorota e reconhecer que há o interesse por parte da autoridade monetária em subir a SELIC e pronto.

O real motivo para tal diretriz não tem nada a ver com a inflação interna, mas sim com a fragilidade financeira do Brasil, que vê bilhões de dólares saindo mensalmente das aplicações de títulos da dívida do país, na busca de mercados mais seguros em função da atual crise financeira internacional.

A única maneira legítima de segurar esse dinheiro de que tanto o Brasil precisa é oferecer melhor rentabilidade ao aplicador. E isso se faz aumentando juros.

E por que não falar a verdade de uma vez? Simples. Porque isso  exporia ao público pontos sensíveis ocultos da economia brasileira relacionados ao descontrole da administração das contas públicas. Nunca o governo arrecadou tanto como nos últimos anos; mas seus gastos crescentes de custeio acabaram por eliminar a chance histórica do país de equilibrar as contas nacionais.

Então, se o Banco Central realmente resolver impulsionar ainda mais os juros mais altos do mundo, só nos restará respirar fundo e segurar o ar o tempo que for possível. Pois em termos de atividade econômica a tendência é que o oxigênio vai escassear. Por outro lado, se eles não fizerem isso, o câmbio se desvaloriza, beneficiando as exportações e, aí sim, provocando inflação por conta do encarecimento dos importados. A situação parece ser delicada.

 
Eduardo Starosta é economista: eduardostarosta@uol.com.br

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