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Conteúdo 14 de dezembro de 2023

Logística e Tributário: a transferência de mercadorias entre estabelecimentos do mesmo titular e o ICMS

A estratégia de localização das empresas deve passar por significativa revisão nos próximos anos. Além da Reforma Tributária, a decisão do STF na ADC 49 implica desdobramentos dessa discussão e apresenta novos caminhos para essas estratégias no futuro.

 

A localização das empresas, desde a criação do ICMS e o fomento da política de incentivos fiscais no Brasil, é determinada, sobretudo, pela carga tributária. Dessa forma, na maioria dos casos, os componentes de gastos (ou custos) logísticos figuram em segundo plano na escolha do local mais adequado para alavancar a competitividade, com foco nos resultados financeiros. Por outro lado, o ano de 2023 tem representado um marco importante para a evolução de discussões relacionadas a essa questão.

Muito tem sido discutido, em artigos do setor de logística e Supply Chain, a respeito do avanço da proposta de Reforma Tributária no Congresso e seus efeitos sobre as políticas de incentivos fiscais. Assim, discute-se quais seriam os impactos dessa Reforma na determinação da localização das instalações industriais e logísticas das empresas.

Contudo, um assunto também importante no cenário logístico diz respeito à discussão que recentemente retornou aos holofotes acerca da transferência de mercadorias entre estabelecimentos do mesmo titular e seus efeitos para o cálculo do ICMS, matéria que tem sido objeto de discussão entre os Fiscos Estaduais e os contribuintes há muito tempo.

Prevista na Lei Complementar 87/96, a incidência do ICMS nessas transferências (internas ou interestaduais) vem sendo questionada por contribuintes ao longo dos anos e afastada pelo Poder Judiciário em inúmeras ocasiões.

Na prática, afastar a exigência do ICMS nas transferências entre estabelecimentos do mesmo titular gera a ausência de pagamento do tributo na saída, mas ao mesmo tempo não permite o aproveitamento do respectivo crédito no estabelecimento de destino, como exemplificamos nos modelos abaixo:

 

Situação 1 – Transferência com o recolhimento do ICMS

– ICMS na saída no Estabelecimento A: R$ 12,00

– Crédito de ICMS na entrada no Estabelecimento B: R$ 12,00

– ICMS na saída no Estabelecimento B: R$ 18,00

Carga Tributária no Estabelecimento A: R$ 12,00

Carga Tributária no Estabelecimento B: R$ 18,00 – R$ 12,00 = R$ 6,00

 

Situação 2 – Transferência sem o recolhimento do ICMS

– ICMS na saída no Estabelecimento A: R$ 0,00

– Crédito de ICMS na entrada no Estabelecimento B: R$ 0,00

– ICMS na saída no Estabelecimento B: R$ 18,00

Carga Tributária no Estabelecimento A: R$ 0,00

Carga Tributária no Estabelecimento B: R$ 18,00 – R$ 0,00 = R$ 18,00

 

Assim, como se verifica do exemplo acima, o afastamento da incidência do tributo nessas transferências não necessariamente é a solução mais eficiente quanto ao planejamento da estratégia de localização das empresas, especialmente se considerarmos os variados efeitos que a diferença entre alíquotas praticadas internamente e nas operações interestaduais pode gerar na carga tributária final de cada negócio.

Dado esse cenário, e apesar da aparente estabilização desse panorama, nos últimos anos o Supremo Tribunal Federal (STF), corte responsável por dar a última palavra em assuntos constitucionais no Brasil, resolveu novamente analisar o tema e reconhecer mais uma vez que o ICMS não deve incidir em transferências realizadas entre estabelecimentos do mesmo titular, julgando a questão na Ação Declaratória de Constitucionalidade 49 (“ADC 49”).

Muito embora a decisão não seja propriamente uma inovação, sua aplicação de maneira ampla e irrestrita a todos os contribuintes (inclusive aqueles que não discutiam diretamente o assunto) gerou dúvidas quanto ao procedimento mais adequado a ser adotado.

Isso porque a intrincada e complexa estrutura tributária do ICMS leva a efeitos diferentes que, em alguns casos, podem resultar em maiores benefícios ao se recolher o imposto na transferência (e aproveitar os respectivos créditos no Estado de destino) do que simplesmente questionar essa exigência e não tomar o crédito respectivo.

Assim, as decisões recentemente proferidas pelo STF geraram a necessidade de que se regulasse de maneira geral essa questão, para lidar não só com a preocupação dos contribuintes quanto à necessidade de eventual mudança de seu procedimento, quanto dos próprios Estados, que receavam sofrer impactos não previstos em sua arrecadação.

Dentro dessa discussão, dois têm sido os caminhos encontrados para tentar solucionar o problema. O primeiro deles foi a aprovação de Convênio, firmado entre as Secretarias da Fazenda dos Estados e do Distrito Federal, para regular a questão.

Nesse sentido, destaca-se o Convênio 178/2023, que reconhece a não incidência do ICMS nas transferências interestaduais, mas estabelece que nessas transferências o contribuinte faz jus ao reconhecimento do crédito do imposto no Estado de destino, no exato valor da alíquota do ICMS incidente na operação interestadual.

Dessa maneira, o Estado de destino se obriga a aceitar o aproveitamento do crédito no montante que já teria de reconhecer caso a operação fosse tributada, e o Estado de origem vê reduzido o crédito decorrente da aquisição anterior realizada, no mesmo montante, apesar de não ter recebido o imposto decorrente da saída.

Já no que se refere às iniciativas legislativas para regular a questão, destaca-se o Projeto de Lei Complementar já aprovado pelo Senado e pela Câmara que, além de prever mecanismo similar de reconhecimento de créditos pelos Estados de origem e de destino, autoriza ainda o contribuinte a tratar a operação como tributada e recolher o imposto nessa transferência, se assim o desejar.

Com isso, espera-se que a questão possa ser definida, permitindo aos contribuintes previsibilidade para melhor definição de sua estratégia de distribuição e para que possam estar cientes da efetiva carga tributária a ser suportada.

Ainda que não seja possível direcionar qual o caminho deve ser adotado por todas as empresas (pois a questão não apresenta solução única e válida para todos os contribuintes, sendo necessário estudar caso a caso), há um norte claro de que o processo de decisão sobre a localização das empresas está passando pelo seu momento mais relevante nos últimos 40 anos pois, além de decisões jurídicas e executivas importantes, o próprio consumidor demanda, nos dias atuais, melhores serviços com menores prazos de entrega.

Assim, o impacto dos gastos logísticos na estratégia das empresas tem se tornado cada vez mais relevante e, até mesmo, a própria natureza da atividade logística, antes enxergada apenas sob a ótica de custo e gasto, agora começa a participar de modo mais decisivo na construção das estratégias de negócio, quer seja sob a ótica financeira, como pela da fidelização do cliente por meio de uma melhor experiência.

 

Rafael Balanin
Advogado graduado pela Universidade de São Paulo. Mestre em Direito Tributário pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo e Pós-Graduado em Administração de Empresas pela Escola de Administração de Empresas da Fundação Getúlio Vargas (EAESP-FGV). Possui mais de 20 anos de experiência em Direito Tributário e Planejamento Tributário, em especial na área de tributos indiretos (ICMS / IPI / ISS/ PIS e COFINS).

 


Rodrigo de Castro Barros
Mestre em Engenharia de Produção e Engº de Produção, ambos pelo Centro Universitário FEI. Possui mais de 10 anos de experiência em Supply Chain & Logística, tendo atuado como gerente nas áreas de Operações, Planejamento Logístico e Melhoria Contínua em Operadores Logísticos, indústrias e varejo. Especialista em estratégia de Supply Chain, estudos de malha logística, redesenho e automação de CDs e turnaround de operações. Atualmente é sócio-diretor na Connexxion Consulting.

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