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Conteúdo 9 de setembro de 2008

O legado da sociedade industrial

Lendo o jornal O Estado de S. Paulo, na semana passada, tive a confirmação para uma certeza que carreguei durante os últimos anos: ainda não estamos na sociedade da informação ou sociedade dos serviços. A edição de 1º de setembro do periódico estampava em sua primeira página a seguinte notícia: “Mão-de-obra migra da loja para fábrica”.

Acredito que dizermos que estamos na sociedade dos serviços ou na sociedade da informação suplanta qualquer forma de produção existente anteriormente, dando origem a uma nova, que dominará todas as outras formas de produção, que a ela se subordinarão. Porém, ao vermos tal manchete, a idéia de que a sociedade industrial vai muito bem e ainda determina as demais formas produtivas, assim como os modos de vida da sociedade, se afirma. Mas, porque, mesmo com a existência de outras formas de produção, mesmo que estejamos muito bem instalados nos empregos no setor de serviços, o emprego fabril cresce e ainda é preferido pela maioria dos trabalhadores?

Um dos fatores é a regulamentação do trabalho. As fábricas costumam proporcionar um salário razoável aos seus empregados, dentro das leis regidas pela Consolidação das Leis do Trabalho, com direito a carteira assinada e todos os benefícios que ela proporciona (13º salário, férias, FGTS). Esse salário é fixo, sendo, em alguns casos, aumentado com a Participação nos Lucros e Resultados (PLR), uma complementação dada pela produtividade alcançada no ano, como é o caso das indústrias automobilísticas e de eletrodomésticos. Além disso, o horário de trabalho é certo desde o primeiro dia de trabalho: oito horas diárias, com possibilidade de trabalhar aos sábados, domingos e feriados, com uma folga por semana, caso o trabalho seja realizado em escala de turno, ou de segunda a sexta, com os finais de semana livres para curtir com a família e os amigos.

Muitos empregos em serviços, principalmente em lojas, não apresentam garantias. As grandes redes de lojas, como Wal Mart, Casas Bahias, Renner e C&A, entre outras, registram seus funcionários, porém trabalham com um sistema de remuneração no qual existe um salário fixo, normalmente mais baixo do que o salário fabril, que é complementado com vendas realizadas pelo empregado ou com metas batidas pelas equipes de trabalho. Não difere do PLR, que advém da produtividade dos trabalhadores, porém é mais estressante, pois a cobrança é diária e o sistema de comissões é direto para o trabalhador, que muitas vezes atende duas, três pessoas por vez para conseguir aumentar o salário ao final do mês. Fora isso, o horário de trabalho é de segunda a segunda, com uma folga semanal e em épocas de festas e datas comerciais, como Dia das Mães e das Crianças, as lojas utilizam todos os funcionários, sem direito a folgas. Tudo para dar conta da demanda.
 
Além disso, a grande parte dos empregos em serviços está em pequenas lojas, situadas em shoppings e bairros, onde o trabalhador, muitas vezes, não é registrado e não conta com garantias mínimas para permanência no emprego; assim como nas empresas prestadoras de serviços de comunicação, como Internet e telefonia, que trabalham com um núcleo reduzido de funcionários, que possuem garantias e benefícios para além dos estabelecidos em lei, e um batalhão de funcionários de empresas terceirizadas, que não tem mínimas condições de trabalho.

Esse é o caso da Telefônica. A empresa espanhola que comanda o sistema de telefonia paulista tem um pequeno grupo de funcionários diretos, responsáveis pela administração da empresa no Brasil; mas todo o atendimento ao consumidor, é realizado por empresas terceirizadas, como a Atento, empresa de telemarketing que é do Grupo Telefônica, que não garante aos seus funcionários os mesmos benefícios do que os diretamente empregados a matriz.

Por essas e por outras é que, apesar de termos cada vez mais empregos na área de serviços, não apenas comerciais, mais tecnológicos, como programadores e pesquisadores de alto nível, as indústrias crescem, pois ainda precisamos de mercadorias, no sentido utilizado por Marx em “O Capital”, para sobreviver, e seus empregos ainda oferecem à classe trabalhadora um modo de vida muito melhor do que aquele oferecido no setor de serviços. Esse é o legado da sociedade industrial, que, pelo que vemos, ainda terá muito tempo de vida.
 

Carla Regina Mota Alonso Diéguez é mestre em Sociologia pela USP (2007): carladieguez@hotmail.com

 

Fonte: PortoGente – www.portogente.com.br

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