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Conteúdo 20 de fevereiro de 2009

O sistema tem conserto?

A crise que afeta o mundo inteiro está muito bem diagnosticada: ela começou numa combinação de inflação de valores, levou a um enxugamento de crédito e o resultado está nas filas de desempregados, na ociosidade da indústria e inquietação do comércio em todos os países. A solução começa pela restauração dos níveis de crédito, na qual todos os governos estão investindo, mas os resultados ainda vão demorar a aparecer. David Korten acha que a solução não é essa. Para ele, as instituições financeiras é que entraram num círculo vicioso cujo resultado foram essa e tantas outras crises (incluindo a de 1929), e que o melhor remédio para isso está em outra direção, como procura demonstrar em "Agenda for a New Economy" (Berrett-Koehler Publishers, 218 páginas, US$ 14,95).

Segundo o autor, os sistemas econômicos do mundo inteiro falharam e vão continuar falhando em todas as dimensões: financeira, ambiental e social. Gastar trilhões de dólar es, como estão gastando governos de todo o mundo, vai levar os sistemas à situação anterior, o que será um desperdício de tempo e recursos, representando, provavelmente, o pior uso já feito do dinheiro público em toda a história do planeta.

Ex-piloto da força aérea e desde o início dos anos 80 formado em administração de empresas pela Universidade de Stanford, Korten concluiu que há uma certa dose de ilusionismo recíproco entre clientes, bancos, financeiras, seguradoras e todos os outros atores de Wall Street, capaz de ter criado nos últimos anos uma espécie de riqueza que na verdade não contém qualquer agregação de valor, ou seja, a riqueza fantasma. O que acontece é que o período de elevação dos preços proporciona uma exuberância lastreada na valorização irreal dos ativos (ou pura inflação), de modo que a prosperidade econômica evolui para especulação com fim em si mesma, terminando em pura bolha especulativa. Para começar, portanto , Korten afirma que a economia e as finanças devem estar ancoradas na realidade e na matriz insumo/produto, que produz riqueza, e jamais em atividades onde o objetivo é apenas elevar os lucros de um ativo qualquer, custe o que custar.

O mercado já havia corrido esse risco quando a internet virou uma febre e em seguida uma bolha que explodiu em 2001, mas o próprio mercado corrigiu os erros e as perdas ficaram para os bancos de investimentos e seus clientes, o que é perfeito dentro do mundo financeiro: o papel desses bancos é justamente plantar muitas sementes e ficar com aquelas que brotarem e se tornarem plantas vigorosas.

Korten tem certeza de que para evoluirmos serão necessárias mudanças até nos modos pelo quais se mede o sucesso de um empreendimento, se organiza o sistema financeiro e se cria dinheiro: a civilização, no entender dele, já chegou aos limites suportados pelos sistemas sociais e ambientais, e para haver um futuro que valha a pena ser á preciso mudar nosso rumo como definido na "Carta da Terra" (www.earthcharterinaction.org), uma declaração de princípios éticos "para a construção de uma sociedade global justa, sustentável e pacífica no século XXI". Qualquer outra tentativa de conserto, avalia, será como curar câncer com band-aid.

A proposta é bonita e muita gente gostaria que a civilização caminhasse dessa maneira – como desejou Thomas Morus em sua Utopia -, mas não é assim que acontecerá, como não aconteceu desde que o mundo é mundo: o mercado é e sempre será um encontro entre as necessidades de vender e de comprar, que por sua vez impulsionam toda a cadeia de produção, distribuindo salários e lucros, empregos e oportunidades, e onde as desigualdades também são o desafio; corrente elétrica só acontece onde há diferenças de potencial – sem isso nenhum elétron se mexe, e certamente o equilíbrio perfeito destit uirá o mercado de qualquer desafio.

Assim, o sistema todo se aperfeiçoa dia após dia, e vai recuperar-se desta crise como se recuperou das outras – é só uma questão de tempo. Nesse intervalo, todos sofreremos as conseqüências: quedas na demanda, desemprego, depressão, crédito escasso e assim por diante. O que acontecerá depois disso é que o sistema estará recuperado e voltará a crescer em velocidade de cruzeiro, até que a próxima crise o derrube de novo.

Neste momento, Korten tem certeza de que a crise está aprofundando a pobreza, aumentando as desigualdades, a devastação ambiental e a desintegração social no mundo inteiro, e que os Estados Unidos são o país que lidera em autoria de causas para esse cenário. Em outras palavras: o autor é contra a globalização. E pelos princípios dele, a base da solução está no poder de mobilização das pequenas comunidades, que pouco a pouco levará à organização proposta pela "Carta da Terra".

Há quem pense o contrário: em "POP! Why Bubbles Are Great for The Economy" (Collins, 232 páginas, US$ 22,95) o autor Daniel Gross acha que certas crises têm virtudes: no século XIX, nos Estados Unidos, houve uma febre com a construção de dúzias de ferrovias, cujos empreendedores saíam pelo país em busca de capital para as obras. No final dos anos 20, a febre da venda e compra de ações permitiu a proliferação de milhares de empresas fantasmas, que iam à bolsa para captar dinheiro sem ter absolutamente nada a oferecer. Com relação às ferrovias, apesar da bolha restou uma infraestrutura de transportes que até hoje está em operação. E no caso da crise que começou com a quebra da bolsa de Nova York, em outubro de 1929, ficou a infraestrutura de legislação e de teorias econômicas que permitiu a consolidação da maior economia do planeta, e trouxe boas consequências para o mundo inteiro.

 

Fonte: Diário do Comércio – www.dcomercio.com.br

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