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Conteúdo 17 de julho de 2008

Pensamentos aéreos

A poltrona do avião em que agora estou sentado é realmente desconfortável; as pernas ficam encolhidas como fala o Ministro Jobim, mesmo tendo um pouco menos de 1:90m. E a viagem entre Brasília e Porto Alegre é chata, ainda por cima. Ficar sentado duas horas e pouco nessas condições não é nada agradável. Se ao menos a morena da poltrona do lado acordasse para um papo; ou então parasse de roncar tão alto…

E é assim, com os cotovelos encolhidos que começo a escrever esse artigo sem chance de buscar idéias na internet ou em algum jornal, antes fartamente distribuídos pelas companhias aéreas. Até dá para ter saudades da Transbrasil, Vasp e antiga Varig… Mas esses tempos já se foram.

Então, vamos buscar assuntos, sem necessidade de números para comprová-los.

Bem, hoje na palestra que fiz a uma instituição financeira, um sujeito acabou me questionando sobre as declarações mais otimistas do Presidente da República, Luis Inácio da Silva, a respeito das perspectivas de avanço da Rodada de Doha, no âmbito da Organização Mundial do Comércio.

E quando se recebe perguntas inesperadas nessas oportunidades, não é de bom tom parar para pensar; pelo menos aparentemente. O mais educado é se agarrar à questão; mexê-la; remexê-la (sim, enrolar); até encontrar uma resposta minimamente satisfatória, lembrando que o público jamais aceita um singelo “sei lá”!

Na oportunidade, o uso da técnica deu certo. Os instantes de redundância foram suficientes para  eu relembrar o assunto e colocá-lo em um processo lógico de resposta (a morena adormecida virou de lado).

Recordei da Rodada do Uruguai da OMC e vejo que os debates entre os países a respeito do comércio global continuam praticamente no mesmo pé, com algumas alterações que não passam de maquiagem.

De um lado temos as nações industrializadas, ávidas pelo livre comércio no mundo. Mas em oposição, os países em desenvolvimento (mais populosos) são resistentes a isso, com medo de inviabilizar suas indústrias de base tecnológica, ainda imaturas.

Como contraposição, as iniciativas de liberdade comercial para produtos agrícolas esbarra na negativa dos povos ricos, que fazem questão de preservar sua base rural em nome de uma tal de segurança alimentar, ou protecionismo puro.

A meu ver, especialmente os povos europeus, tem é medo de liquidar com a sua cara e ineficiente agricultura. Aquela região do planeta, que hoje tem civilidade para dar e vender, não era assim até há poucos anos. Desde os antigos gregos, a turma do Velho Mundo se metia em brigas com africanos, asiáticos, ou até mesmo entre si. E na guerra, quem não tem comida, tá derrotado (agora a morena se espreguiçou e quase me acerta a orelha).

E dentro dos traumas de fome da região, incluindo a segunda guerra mundial, é evidente que em pleno século XXI, os riscos bélicos existentes não podem dar plena segurança para as nações abandonarem uma produção alimentícia mínima. Então, seja por discurso ou necessidade de fato, o protecionismo agrícola não vai acabar, podendo, é claro, mudar de cara.

Mas pensando bem, de acordo com os dados objetivos do mundo contemporâneo, os países do agronegócio podem suportar com um pé nas costas a postura européia.

O fato é que a demanda por alimentos subiu muito nos últimos anos em função, especialmente, de novos e populosos grupos que aumentaram o seu consumo. O resultado foi que as fazendas não foram capazes de fazer frente a tal crescimento. Como resultado, assistimos hoje à inflação no setor alimentício que pouco ou nada tem de relação com a popularização da bioenergia.

Em resumo, tem mais gente com dinheiro e disposta a comprar comida. E com isso, os europeus, norte-americanos e outras sociedades industrializadas, perderam o poder de determinar o preço dos produtos agrícolas que são obrigados a importar, já que mesmo com protecionismo eles são estruturalmente deficitários em termos produtivos.

E tal realidade não deve mudar tão cedo, apesar do que profetiza a FAO. Para o Brasil, a oportunidade é a de vender comida e obter bons lucros com isso. No futuro alguém vai inventar algum super processo genético que multiplique a produtividade da lavoura. Mas enquanto isso não acontece (e não ocorrerá tão cedo, provavelmente), o negócio é aproveitar e vender o nosso angu tão caro quanto possível. Imoral? Pode ser… Mas alguém já ouviu falar em remédios de ponta ou equipamentos médicos a preço de custo. Não? Nem eu. E se na saúde o que vale é a lei de mercado, por que não na alimentação.

Agora o avião começou  o procedimento de pouso. As luzes da cabine deram uma rápida acendida e a morena abriu os olhos; virou para o meu lado. Rosto interessante…

Espero que o pouso seja tranqüilo, sem solavancos.

Eduardo Starosta é economista. E-mail: eduardostarosta@uol.com.br

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