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Conteúdo 5 de janeiro de 2009

Risco e oportunidade em 2009

É certo que o futuro a Deus pertence. É certo também que em todos os finais de ano os escribas se divertem lembrando as previsões erradas feitas no ano anterior (pelos outros escribas, evidentemente…). Que fazer? Temos uma necessidade, todos, de auscultar o futuro, por mais que saibamos que a chance de errar é enorme.

O desconhecido assusta e nos traz conforto saber que alguém pensou como poderá ser o próximo ano, por menos que a gente confie em previsões.

Dito isso, vamos a elas. Ao contrário do que nos quer fazer crer o governo, infelizmente há uma enorme crise lá fora e não há como impedir que ela respingue sobre nós. É compreensível que o governo não tenha interesse em reconhecer a crise; afinal, já se ensaiam os primeiros passos para a sucessão presidencial. Todo presidente deseja fazer seu sucessor, é natural. É compreensível que um presidente com mais de dois terços de aprovação boa e ótima não queira começar a perdê-la manifestando publicamente inquietação com o que vem pela frente. Tudo isso é compreensível e ninguém espera outro comportamento do senhor presidente.

Muito diferente, contudo, é transformar um jogo para a platéia em políticas econômicas que estão claramente inadequadas para descascar o abacaxi que temos em mãos. O que já vinha sendo uma política econômica esquizofrênica, com a política fiscal expandindo o gasto doméstico e o Banco Central enxugando gelo com a taxa de juros, ameaça agora piorar. Todos os sinais de Brasília indicam que o governo pretende manter e ampliar os gastos para buscar defletir a inevitável desaceleração da economia. No entanto, que é uma boa política para os EUA, União Européia e Japão, é uma má política para o Brasil.

A atividade econômica está em franca contração em todo o mundo desenvolvido e as políticas tradicionais já se mostraram incapazes de reverter a crise. Refiro-me especificamente à redução das taxas de juros que, no caso dos EUA e do Japão, convergiram matematicamente para zero. Nessa circunstância só há um caminho a tomar: expandir o gasto público, já que o setor privado nega-se a gastar. Nosso quadro é totalmente distinto.

Não estamos passando por uma negativa do consumidor em comprar. O que o governo se nega a ver é que o cenário para a frente não é tão róseo.

Há duas bombas-relógio armadas para 2009: o reajuste dos contratos indexados pelo IGP-M e o reajuste do salário mínimo. Aluguéis, principalmente, mas também uma infinidade de outros contratos são reajustados pelo IGP-M.

O ano vai fechar com o IGP-M acima de 10%. Poucos reajustes salariais acompanharão o aumento dos aluguéis. O resultado: um ano de conflitos entre inquilinos e proprietários, inadimplência, tensão social.

Pior que o reajuste dos aluguéis será o impacto do reajuste do salário mínimo. Pela fórmula em vigor, o reajuste toma por base a variação da inflação, medida não pelo IPCA, mas pelo índice nacional de preços ao consumidor (INCC), mais a taxa de crescimento do PIB de 2007. Nos doze meses terminados em novembro o INCC acumulou alta de 12,3%; o PIB de 2007 cresceu 5,4%. Alguém tem alguma idéia do desemprego que a manutenção da fórmula poderá causar em 2009? Apenas esses dois reajustes já nos põem de cabelo em pé, considerando que um crescimento de 2,5% para o PIB em 2009 é o maior que está no momento sendo previsto pelos melhores analistas.

Há muitos riscos, tomando-se por base apenas essas poucas considerações. Contudo, sempre que há riscos, há oportunidades. A principal delas é induzir o governo a cair na real e discutir com a sociedade como desatar os nós que já foram apertados. Tempo há; a questão é saber se há vontade. O problema é que literalmente ninguém tem se arriscado a fazer previsões sobre o que vai acontecer no mercado externo em 2009.

As conjecturas aqui se baseiam na hipótese ingênua de que natura non facit saltum, a natureza não dá saltos – querendo dizer que uma espiral de desaceleração econômica no mundo desenvolvido, com a consequente queda nos preços das commodities, assim como levou tempo para ocorrer, tempo levará para reverter. Posso estar errado, mas pelo menos estou em boa companhia: essa frase está estampada na folha de rosto da obra-prima de um dos maiores economistas de todos os tempos, Alfred Marshall. Aparece também sete vezes na obra prima do evolucionismo, A origem das espécies, de Charles Darwin.

Vamos às tendências. A mais perigosa, a contração do crédito internacional, já está em vigor, pelo menos desde a quebra do banco Lehman Brothers, em 15 de setembro último. De fato, a tendência tem sido mais perversa, já que não somente o crédito externo apertou, como vem ocorrendo repatriação de recursos externos aqui aplicados. Não há ainda uma perspectiva clara de que essa tendência venha a ser revertida, em curto prazo.

Com o enxugamento do crédito, padecem as nossas exportações por falta de linhas de financiamento externo. O problema foi atacado pelo ingresso dos bancos oficiais no mercado, suprindo parte da deficiência de crédito provocada pela retração do financiamento externo.

Tão problemático quanto a falta de crédito é a queda da demanda externa. A economia dos EUA, nosso principal parceiro, está se contraindo a uma taxa anualizada de 4%, com o desemprego avançando para 8% da força de trabalho. Na União Européia o quadro não é mais alentador: em alguns países, a produção industrial aponta para uma queda anualizada de 8%. Com o Japão em recessão e a China em "recessão técnica" (crescimento estimado abaixo de 7%), as perspectivas para a demanda externa não são animadoras em curto prazo. Afinal, natura non facit saltum.

Na verdade, a tendência de queda das exportações brasileiras não começou no último trimestre de 2008, mas muito antes. No período

de janeiro a novembro de 2008 o índice que mede a quantidade exportada (quantum das exportações) caiu 4% relativamente ao mesmo período de 2007. Todo o crescimento observado deveu-se ao aumento de preços, que atingiu o pico em julho, passando a partir de então a apresentar quedas para as principais categorias de nossas exportações. Os dados de novembro já mostraram como as coisas não vão bem. O valor das exportações e das importações é o pior resultado mensal desde abril. Comparados com outubro, as exportações caíram 20,4% e as importações, 24% – gerando uma queda no fluxo de comércio de 22% no mês.

Com base nas informações obtidas junto aos planos das principais empresas exportadoras, é possível estimar hoje que venhamos a ter uma queda de US$ 20 bilhões nas exportações em 2009. Com a queda também esperada nas importações, o mercado estima que o saldo comercial caia para US$ 14 bilhões.

Em circunstâncias "normais", esse quadro geraria um déficit em conta-corrente perfeitamente financiável pelo ingresso de recursos externos. O problema é que não atravessamos uma conjuntura normal.

É possível que a alta já ocorrida no câmbio tenha um impacto maior sobre as importações, especialmente as de bens de consumo.

A experiência pregressa nos mostra que os efeitos do câmbio sobre as exportações se dão sobre períodos mais longos. Essa é a razão, aliás, de o mercado continuar a esperar um saldo na balança comercial alto, para as circunstâncias atuais.

Se os riscos não são dramáticos na frente externa – a menos que ocorra um forte agravamento na crise -, as oportunidades também se estreitaram.

Poderíamos ter promovido uma maior abertura nas importações nos últimos anos, quando as circunstâncias eram mais favoráveis. Poderíamos ter melhorado a infraestrutura. Paciência.

Fica para quando a crise passar…

 

Fonte: Diário do Comércio

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