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Conteúdo 26 de setembro de 2008

sem chão para pousar

E o mundo ainda está em compasso de espera  para ver o que os norte-americanos farão para evitar que a crise criada por eles mesmos se transforme numa grande depressão global. O presidente George Bush tenta passar o mais rapidamente possível no Congresso a proposta de disponibilizar US$700 bilhões para garantir a adimplência do sistema financeiro, assumindo créditos podres.

Mas essa não é uma questão tão simples. Se os EUA realmente definirem essa linha de ação, que inclui maior ingerência do poder público sobre sistema financeiro, simplesmente estarão sendo viradas as páginas de 232 anos de história. Afinal, um dos principais fatores motivacionais da independência das antigas treze colônias britânicas foi o ideal da livre iniciativa, que moldou a formação da riqueza do atual país mais rico do mundo.

O famoso sonho americano era essencialmente a liberdade de empreender; tomar tombos; mas poder levantar a cabeça quantas vezes isso fosse necessário, até acertar o caminho da fortuna. Por conta disso, quando a gigante dos ares, a Panam, faliu, o sentimento de pesar pela morte de uma marca histórica, ficou mais no campo da nostalgia, não sendo levado a sério quaisquer tentativas de ressuscitar a empresa.

Mas agora tudo mudou. É verdade que caso as autoridades monetárias dos Estados Unidos não interviessem no mercado financeiro, provavelmente a quebradeira de empresas e pessoas iria superar de longe a Grande Depressão de 1929. Mas mesmo o mais convincente dos argumentos não descaracteriza o marco de uma mudança essencial da civilização norte-americana: o Estado meteu a mão na vida privada; talvez no bom sentido; mas que meteu a mão; isso meteu.

O interessante é que isso aconteceu no final de um governo, deixando para o próximo presidente da missão de administrar o novo “american way of life”. Coincidentemente, uma das pilastras da moral americana também desabou no final do último governo democrata, há 10 anos, quando o inesquecível Bill Clinton negou e desmentiu sobre suas brincadeiras com charutos e estagiárias. Pessoalmente, na posição dele eu negaria até a morte. Afinal, raras vezes se vê algo tão feio como Monica Lewinsky. Mas o importante é que o povo perdoou a mentira do então presidente, coisa que não fez com Richard Nixon no famoso Caso  Watergate.

E dentro dessa ótica, tanto o compromisso com a verdade, como o liberalismo econômico deixaram de ser sustentáculos inabaláveis da moral norte-americana. Evidentemente, tal situação não ficará sem conseqüências no futuro.

É importante enxergar tais aspectos, pois eles trazem fortes tendências de mudanças na civilização em foco. Em resumo, não tenho medo de antever que a partir do último dia 15 de  setembro começou a nascer um novo EUA, mudando também o próprio mundo. Se é para  melhor, ou pior, ainda é cedo para dizer.

As regras do jogo econômico serão diferentes. Parece óbvio que o mundo vai entrar em recessão por pelo menos um ano e meio. Aqui no aparentemente blindado Brasil, o crédito à produção secou rapidamente, obrigando o Banco Central a tomar medidas de sustentação da liquidez.

Mas isso provavelmente é peixe pequeno perto do que está para acontecer. A crise econômica a partir dos EUA está acontecendo justamente em um momento no qual novas potências buscam ampliar sua influência geopolítica, enquanto as antigas insistem em recuperar o terreno perdido, como no caso da Rússia.

Então, o momento é de desequilíbrio. Qualquer afirmativa mais veemente sobre o futuro do que a citada recessão deve ser vista com total desconfiança, pois as possibilidades de desdobramento da atual crise são múltiplas.

Talvez, na próxima semana, as forças políticas dos EUA cheguem a um acordo a respeito do que fazer e de quanto gastar para evitar a quebradeira. Mesmo assim, não há garantias de que o plano vai dar certo.

É melhor nos acostumarmos logo com a idéia de que mesmo com os tradicionais líderes globais mantendo sua postura, o leme da economia (e conseqüentemente da política) mundial está sem comando; à deriva, devendo permanecer assim pelo menos por alguns meses.

O cenário é nebuloso. E nessa ambientação, sem condições atuais de visibilidade, sabe-se apenas que economia global está em queda. Mas ignora-se se ela terá um pouso suave, ou se espatifará.

Quem viver verá.

 
Eduardo Starosta
é economista: eduardostarosta@uol.com.br

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