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Conteúdo 3 de abril de 2009

Tempo de colheita

Honrado com o assento na primeira fila da foto oficial dos chefes de Estado presentes à reunião do G20, ao lado esquerdo da rainha Elizabeth I, o presidente Lula colhe os frutos da importância do Brasil no cenário internacional. Esses frutos resultam de um bem cuidado plantio, que vem da introdução da tríade metas de inflação, câmbio flutuante e superávit primário. Se ao antecessor coube semear, ao senhor presidente atual coube manter o bem semeado, fazendo ouvidos moucos aos conselhos dos mais próximos que, caso seguidos, poriam a colheita a perder. Foi resguardando dos críticos as políticas monetária e cambial, foi afrontando as pressões que vinham de sua base pelo retorno ao populismo econômico, que o presidente senta-se hoje na primeira fila dos 20 principais estadistas do mundo.

É lamentável que o senhor presidente não tenha tido a mesma determinação no que diz respeito à política fiscal. Porque, da mesma forma que colhe os louros da estabilidade econômica e do fim da vulnerabilidade externa, está chegando a hora da colheita dos maus resultados fiscais.

Essa colheita, infelizmente, foi semeada nos últimos seis anos, já em sua gestão. Em 2003, o senhor presidente estava ciente dos riscos que corria sua administração com o pânico que havia se instalado no mercado durante a campanha eleitoral. Contra os pessimistas e boa parte de sua base política, expediu, ainda em 2002, durante a campanha, a Carta aos brasileiros, assegurando a estabilidade dos contratos e o funcionamento livre da economia. No primeiro ano de seu primeiro mandato foi mais realista do que o rei. Sob o ministro Palocci e o presidente do Banco Central (posteriormente ministro) Meirelles, foi mais conservador em política econômica que qualquer "neoliberal".

O sucesso dessa estratégia, obtido a duras penas e sob pesadas críticas, é reconhecido por todos. Mas o sucesso é também mau conselheiro. Foi a sensação de que quem acertou pode acertar sempre que permitiu o progressivo relaxamento do controle fiscal.

O processo foi lento e, na maior parte do tempo, passou despercebido. O principal indicador, o superávit primário, de fato aumentou do primeiro para o segundo mandato. À primeira vista, tudo parecia estar certo também do lado fiscal, aparentando sustentar-se a economia, como deveria ser, no tripé fiscal, cambial e monetário.

O problema é que o superávit primário – indispensável para manter sob controle a expansão da dívida pública e a solvência do setor público brasileiro – manteve-se acima do mínimo necessário somente pela expansão da carga tributária. Não era o controle dos gastos, o viver dentro dos próprios meios, que sustentava o superávit primário. A cada ano, a cada mês, comemorou-se até recentemente recordes de arrecadação.

Até recentemente. A chegada da crise, de início desdenhada, bateu forte na economia real. A produção industrial brasileira está entre as que mais caíram em decorrência da crise, ao lado da Coreia, da Espanha e de outros países também duramente atingidos pela crise. O aumento do desemprego também bateu forte na economia: depois que a crise aqui aportou, mais de 750 mil empregos formais desapareceram.

Para contrarrestar a queda na produção da indústria automobilística, e agora de outros segmentos, o governo promoveu uma redução expressiva nos tributos incidentes sobre os veículos, já comentada neste espaço.

Com o encolhimento da produção caiu a receita tributária, acentuada pelas renúncias fiscais postas em prática nesse início de ano. A receita tributária que só fazia subir, pela primeira vez mostrou retração, de 3%, no comparativo de fevereiro deste ano com o mesmo mês do ano passado.

Pior do que isso, as despesas aumentaram quase 20% no mesmo período. Aumento de despesa, conjugado com redução na despesa, não se combinam e são responsáveis pelo primeiro déficit primário (R$ 926,2 bilhões) desde janeiro de 1997.

Ao contrário do que afirmaram algumas autoridades, não se trata de fenômeno extemporâneo, passageiro e atípico. Trata-se, sim, da primeira manifestação de uma sucessão de descontroles de natureza fiscal. Pior: esses descontroles, por criarem despesas permanentes, levarão muito tempo para ser revertidos. Esse é o quadro real. Estamos agora colhendo o que plantamos.

Roberto Fendt é economista

Fonte: Diário do Comércio – www.dcomercio.com.br

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