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Conteúdo 7 de março de 2008

Transfusão do Sangue Latino

Sim, é importante analisar o contexto no qual o Brasil volta a ter as taxas de juros mais altas do mundo; o preço do barril de petróleo avança da direção dos US$ 110; o dólar oscila para chuchu; e o Ibovespa também lida com seus altos e baixos.

Mas tudo isso é café pequeno perto da bagunça que os presidentes dos países no norte da América do Sul vêm aprontando. Em primeiro lugar, lamentavelmente, vai ser muito difícil a região não acabar virando um palco de guerra nos próximos meses ou anos.

Tudo bem que a OEA tenha feito uma cartinha de ajuste diplomático da situação envolvendo a morte do guerrilheiro Raúl Reyes, no Equador. Mas o importante é entender que mesmo que a Colômbia não tivesse entrado no território do país vizinho, outros pretextos para justificar uma guerra iriam e vão surgir.

Nunca esqueço da conversa que tive com o saudoso economista Nuno Renan Lopes de Figueiredo Pinto, poucos dias antes dele falecer. Era final de 2002 e o PT, através de Luis Inácio da Silva, estava se preparando para assumir a presidência do Brasil. O diálogo foi em torno de como se comportaria a economia nacional com uma provável (na época) guinada socialista.

Nuno, do leito do hospital, deu seu veredicto: o momento era o da esquerda governar o Brasil; e essa era uma necessidade de experiência histórica que deveria mesmo ser experimentada.

E mesmo com várias críticas pessoais, reconheço que o poder executivo teve, nos últimos anos, o grande mérito de contrariar expectativas mais românticas e não partir para rupturas mirabolantes da ordem econômica, jogando as culpas dos decorrentes fracassos no velho colonialista internacional, incorporado nos EUA, a partir da segunda metade do século passado.

Mas os ianques, coitadinhos, mostram sinais de que não estão – pelo menos na atual conjuntura – se agüentando nem nas próprias pernas.

Assim, se fosse o caso de arrumar um culpado externo pelos problemas, o inimigo poderoso, mas distante, não serviria mais. O negócio seria apelar para a ignorância com os vizinhos.

Daí dá para começar a entender o que está realmente acontecendo lá nos países amazônicos. Hugo Chaves tem como um dos seus principais pilares de poder a polêmica, além do petróleo supervalorizado, é claro. E na lógica do binômio bravata x dinheiro, ele só se sustentará no poder na medida em que continuar com arroubos populistas que despertam paixão nas pessoas não acostumadas a pensar empiricamente.

Evo Morales e Rafael Correa seguiram o exemplo do líder venezuelano. No caso de Álvaro Uribe, sim, talvez ele tenha pisado na bola ao deixar ocorrer o ataque que culminou da morte do segundo homem das Farcs. Mas apesar disso, a política colombiana está tendendo para uma estrutura mais amadurecida, como a do Brasil. O problema de Uribe é que ele está cercado por nações que ainda não depuraram o famoso sangue latino, caracterizado pela extrema dramatização de tudo o que possa chamar a atenção.

Se isso ficasse apenas no âmbito das bravatas, tudo bem. Mas palavras de coragem e heroísmo sem demonstrações práticas cansa. O povo venezuelano e talvez o equatoriano e boliviano vão realmente enxergar (já enxergam) na Colômbia o inimigo que incorpora os interesses dos exploradores internacionais.

Com idas e vindas, a dinâmica das animosidades tende a crescer a cada polêmica. E não tem jeito: se os ditadores disfarçados de salvadores nacionalistas não tiverem as asas cortadas, vai dar guerra sim. E se engana quem pensa que o Brasil vai poder ficar apenas de observador. Nosso país é visto naquela região como um vilão muito maior do que a “serviçal Colômbia”.

Sejamos sinceros: Hugo Chaves, deita e rola ironizando o nosso presidente da república, que mostra exagerada civilidade diante das travessuras do colega venezuelano. Em resumo, mesmo que o Brasil tenha apoiado a condenação do ataque colombiano, na visão dos neo-populistas (usam as teses da esquerda para dar corpo ideológico a devaneios pessoais), nós também somos o inimigo.

Antecipo lamentos. Na brincadeira da demência, todos perdem. Talvez seja o momento de espalhar pela América Latina alguma mostra fotográfica da Europa, logo depois da II Guerra. Não houve vencedores; apenas vítimas, em maior ou menor grau.

Em pleno terceiro milênio, já passou da hora de controlarmos o calor de nosso sangue latino. Ainda mais com a Amazônia sendo mundialmente tão visada, as eventuais maluquices que lá ocorrerem podem acabar em conseqüências inesperadas. Hora da transfusão… que se não for de sangue, vai ser de gente.

 

 
Eduardo Starosta é economista e pós-graduado em filosofia. Desde 1999 é Diretor da Estplan Assessoria e Planejamento Econômico LTDA, empresa especializada em inteligência de mercado, análise de conjuntura e cenários, com atuação central em entidades empresariais. Uma de suas obras de maior destaque é “Agrocenários, Desafios e Oportunidades” – 2006, elaborada em conjunto com o ex-ministro da agricultura, Francisco Turra. Contato: eduardostarosta@uol.com.br

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