Facebook Twitter Linkedin Instagram Youtube telegram
Conteúdo 25 de março de 2009

Um desejo e dois equívocos

No mesmo dia em que o Dieese divulgava que entre novembro e fevereiro se perderam 750 mil empregos, o senhor presidente discursou em Pernambuco afirmando que o pior da crise já passou e que a hora não é de cortar despesas, mas de aumentar o investimento público.

É natural que o senhor presidente tenha um forte desejo de que passe a crise. Durante todo o seu primeiro mandato, surfou a onda de uma economia mundial que não parava de crescer. Tudo caminhava na direção correta. Os preços das commodities de exportação brasileiras foram às alturas. A liquidez internacional foi tamanha que não havia ativos suficientes em que aplicá-la.

Como dizia o velho Karl Marx, tão esquecido, "tudo que é sólido desmancha no ar". Booms de preços de commodities e de liquidez abundante também desmancham no ar. Independentemente de nossos desejos de que perdurem eternamente. Nem sempre os desejos são bons companheiros de viagem.

Por desejar tão ardentemente que a época da bonança volte, o senhor presidente cometeu seu primeiro equívoco ao dizer que o pior da crise já passou. A verdade dos fatos é que não sabemos quando a bonança retornará. O futuro a Deus pertence. Mas se não sabemos quando essa crise terá paradeiro, sabemos muitas coisas que não podem deixar de ocorrer antes que se encerre esta fase do ciclo que atravessamos.

Em primeiro lugar, o fim da recessão virá quando se tiver completado o ajuste de preços dos principais ativos. Porque a crise começou precisamente quando muitos se convenceram de que os ativos estavam excessivamente valorizados. Residências e ações são os exemplos óbvios que vêm à mente, mas também os preços dos alimentos, dos metais e de uma infinidade de outras commodities estavam fora do lugar.

Os preços das residências nos EUA já caíram pela metade em muitas regiões do país e a queda dos preços das ações foi da mesma ordem de magnitude. É suficiente essa queda? A recuperação dos negócios no mercado de imóveis usados dos EUA pode levar a um início de recuperação dos preços das residências. Os preços das ações já estavam ensaiando uma leve recuperação quando o anúncio do mais recente plano Geithner sacudiu os preços para cima. Não estaríamos vendo a “luz no fim do túnel” da imagem gasta usada pelo presidente Barack Obama?

Possível é; o problema é que não é certo que isso já esteja ocorrendo. Quem está vendendo os imóveis que as pessoas estão comprando? Outras pessoas físicas ou os bancos, de seu imenso estoque de imóveis tomados dos compradores que não puderam pagá-los? A pergunta é relevante, porque teremos duas sinalizações distintas dependendo da natureza do vendedor. Se os bancos estão fazendo caixa liquidando o seu estoque de residências, os preços não vão subir.

O plano Geithner II tem tudo para dar certo e destravar o mercado de crédito norte-americano? Para dar certo, os bancos terão que vender a mercado os papéis "tóxicos" que estão em seus ativos. Se o papel está contabilizado por 100 e o banco vende por 20, terá que contabilizar os papéis similares que tem em carteira também por 20. Essa norma contábil chama-se "marcação a mercado" e pode ter um efeito devastador sobre o que restou do valor contábil dos ativos bancários. Que bancos estarão dispostos a revelar seu verdadeiro prejuízo?

A conclusão é simples: ainda é cedo para afirmar qualquer coisa. Foi precisamente isso que aprendemos estudando as recessões passadas. Preços fora do lugar levam tempo para se ajustar. É precipitado dizer que o temporal já passou. E é precipitado achar que o novo plano do Tesouro americano vai dar certo. Na verdade, tem mais chance de dar errado do que certo.

O segundo equívoco do senhor presidente é dizer que não precisamos fazer um ajuste fiscal, mas aumentar o investimento público. Estaria certo o presidente se tivesse dito que perdemos a oportunidade de iniciar um ajuste fiscal de longo prazo a partir de meados de seu primeiro mandato. Poderíamos ter estabelecido uma meta de zerar o déficit público em um horizonte razoável de cinco anos. Não o fizemos.

Mas sempre há tempo para fazer as coisas certas e o senhor presidente não se equivocaria – e tornaria mais real o seu desejo – se começasse agora um processo, lento e seguro, de redução do déficit público, cortando despesas correntes.

Roberto Fendt é economista

Fonte: Diário do Comércio – www.dcomercio.com.br

Enersys
Volvo
Savoy
Retrak
postal