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Conteúdo 13 de abril de 2009

Uma das horas da verdade

Em setembro de 2002, o Brasil estava em plena campanha eleitoral. As disputas pelos governos estaduais eram quase sem expressão, pois o palco central era a iminente mudança no comando do executivo federal. O atual presidente liderava com folga o primeiro turno, enquanto José Serra e Ciro Gomes disputavam uma incerta vaga para o segundo turno, com vantagem para o atual governador paulista.

Na época, a principal diretriz da intenção de voto da população brasileira estava nas palavras "é preciso mudar”.

Os estrategistas do PT souberam tirar excelente proveito dessa vontade popular. Luiz Inácio da Silva não se mostrava mais um sindicalista raivoso, aparecendo como o senhor de meia idade, preocupado, acima de tudo, em conciliar interesses divergentes, sem abrir mão da prosperidade nacional, que incluía crescimento econômico acelerado, melhorias salariais, queda de impostos e juros baixos.

Para a decepção de alguns mais antenados, o presidente eleito, antes mesmo de assumir a chefia do poder executivo, começou a separar os debates de campanha em bravata e coisa séria.

Aparentemente, foram levados a sério os programas sociais de erradicação da pobreza, cuja forma é questionável.

Mas nosso tema de hoje é exatamente sobre os axiomas que ficaram relegados à bravata.

A queda de impostos acabou se transformando na maior elevação da carga fiscal da história brasileira; o crescimento econômico iniciou com forte estagnação e realmente teve alavancagem entre 2006 e 2008 por conta, principalmente, de um cenário internacional favorável; e finalmente a promessa dos juros baixos foi completamente abandonada, só ressurgindo há alguns meses, por conta da brutal recessão do país, com raízes globais.
 
Inclusive, um programa humorístico bastante popular dramatizava o então ministro da fazenda, Palocci, tentando consultar uma espécie de manual deixado pelo antecessor (Malan) para saber como gerir economias do país. O recado do deboche era direto e certeiro: nada mudará!

Mesmo votando em outro candidato, nunca deixei de reconhecer os méritos do ex-sindicalista, que fez história ao ser primeiro líder civil a enfrentar e vencer a repressão imposta pela ditadura militar. Assim, naquele Ano Novo de 2003 eu realmente esperava mudanças relevantes na condução da política econômica do Brasil. Em princípio, não concordava com o que estava por vir. Mas por outro lado, considero que um dos grandes méritos da democracia é exatamente dar chance de novas experiências de pensamento e ação no trato da coisa pública.

Fiquei, então, esperando, as primeiras providências em termos de reduzir juros e cortar impostos. Imaginava que isso, sendo feito de supetão, iria provocar grandes encrencas no âmbito da inflação e gestão das contas públicas. Mas em meu íntimo, fiquei ansioso pelo início do cumprimento da plataforma eleitoral petista.

Passadas algumas semanas, ficou claro que nada daquilo iria acontecer. Tudo ficou na seara da bravata. Meses mais tarde, com episódios do tipo mensalão e outros, o Partido dos Trabalhadores acabou perdendo seu diferencial filosófico e de postura, sendo absorvido pelo modelo tradicional da política brasileira, onde por sinal, sabe transitar de forma primorosa.

Agora, há um ano e oito meses de o Brasil empossar o futuro presidente, Luiz Inácio da Silva, tentando reagir a uma crise que em poucos meses detonou com meia década de crescimento industrial,  assume a liderança em tentar resgatar algumas diretrizes relegadas a coleção de bravatas.

Inicialmente foi a queda do IPI sobre veículos, um sucesso de curto prazo praticamente inquestionável. Agora, insistindo na tese de que os bancos públicos devem liderar o mercado financeiro na redução de juros, tomou a decisão de sacar Antonio Lima Neto da presidência do Banco do Brasil.

O pecado do ex-presidente foi operar o dinheiro do banco de acordo com os parâmetros de risco consensados pela maioria das instituições financeiras do país. O executivo provavelmente não considerava prudente baixar juros ao consumidor, diante de um custo de captação ainda elevado que se soma a uma carga fiscal sobre o dinheiro  inédita em outros países do mundo.

Mas a ordem para despencar juros havia sido dada e ele não obedeceu.

Assim, o recado do palácio do planalto é bastante claro: quem não seguir a diretriz de reduzir o custo do dinheiro vai para a rua.

Vista assim, de forma parcial, a ordem do presidente Luiz Inácio da Silva é simpática. Mas minhas raízes de economês não deixam de lançar alguns questionamentos perturbadores.

Como ficará a inadimplência?

A cunha fiscal sobre o dinheiro realmente cair para reduzir o custo de transação?

Os outros bancos terão capacidade operacional para competir?

Outros aspectos da realidade atual devem ser inseridas no contexto em foco.

A política presidencial de combate à crise resgata parte do programa eleitoral petista de 2002. Além da redução dos juros, já comentamos a respeito de algumas ações no sentido de diminuir a carga fiscal no curto prazo.

Isso seria indiscutivelmente salutar se o Estado tivesse aproveitado o cenário favorável e se saneado nos últimos anos. Resultado: para compensar a queda do imposto sobre os carros, os fumantes irão pagar mais para manter o seu vício, ao mesmo tempo em que dezenas de bilhões de reais previstos para investimentos federais acabaram guilhotinados.

Em princípio, essas sonhadas medidas de política econômica foram tomadas pelas autoridades a partir de uma estrutura estatal com capacidade duvidosa de absorção.

É pena, teremos no médio prazo riscos inflacionários e redobrados problemas financeiros.

Entendo que Luiz Inácio da Silva tomou a decisão correta para o momento – não enxergo outra solução para o cenário atual. Mas as condições objetivas para que tais medidas não gerem forte ressaca no futuro são questionáveis.

Aproxima-se uma das horas da verdade para o Brasil. Oxalá dê tudo certo. Mas não sei não…

 

Eduardo S. Starosta é economista: eduardostarosta@uol.com.br

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