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Conteúdo 2 de setembro de 2008

Vento amarelo no comércio internacional (3)

Bairros inteiros são demolidos em semanas, "apenas" para se realizar uma festa esportiva. Portos e aeroportos surgem da noite para o dia. Estradas, represas, indústrias, aparecem onde ainda ontem nada havia. E, se necessário, pára-se todas as obras por algum tempo, para que a poeira no ar tenha tempo de assentar… Se todas essas mudanças ocorrem dentro da China, logo vão ditar o ritmo nas relações entre esse país e seus parceiros comerciais.

Um país com mais de um bilhão de pessoas é, sem dúvida, um mercado potencial a ser considerado. Agora, se todas elas estiverem obtendo alto índice de escolaridade e ganhando um novo padrão de vida, graças aos crescentes resultados econômicos, o que era apenas possibilidade se torna real: teremos então um grande mercado consumidor. E se esse mercado tem produtos de qualidade para oferecer em troca de suas importações, permitindo uma via de mão dupla e cada vez mais larga no comércio com os seus parceiros, teremos então uma revolução, criando novos paradigmas e destruindo antigos conceitos.

O Japão já havia feito isso, ao forçar um enorme desvio nas rotas comerciais internacionais. Se antes havia comércio marítimo e aéreo entre Europa e América do Norte, e o resto do mundo tinha de se ligar a um desses blocos por linhas Norte-Sul, o Japão obrigou, com sua força comercial, que as linhas Europa-América do Norte se estendessem no sentido Leste e Oeste, até darem a volta ao mundo num serviço expresso. A China já não precisará forçar desvios fabulosos de rota, mas poderá recriar essas rotas à feição de suas necessidades. Em vez de rotas que passem pela China, é possível que surjam rotas da China para cada um de seus principais parceiros.

E – o que hoje parece inconcebível – pode até acontecer que nenhuma das futuras rotas comerciais passe pelos Estados Unidos, por exemplo. Afinal, a maior parte da produção industrial "made in USA" é feita na China, e logo não haverá mais sentido em apor aos produtos rótulos ingleses para dar uma falsa impressão de qualidade em padrões ocidentais – a qualidade chinesa deverá ser até melhor. Daí, se a economia norte-americana não se reinventar, e o poder aquisitivo do dólar estadunidense continuar despencando, o que justificaria a escala de navios chineses nesse país? OK, hoje parece mesmo absurdo, mas… o tempo já tornou reais muitos dos conceitos antigamente tidos como absurdos. Absurdo, colocar seres humanos em órbita da Terra? Ora, até um brasileiro já esteve lá… E um chinês também, a diferença é que usou veículo próprio…

Nessa nova geopolítica de transportes, desimpedir caminhos em direção à China é a nova ordem. Quem tem boca vai a Roma? Mas se até o macarrão italiano é na verdade chinês… A bússola continua com a agulha apontando para o Norte Magnético, mas sempre é bom lembrar que é invenção chinesa. A pólvora, aliás, também (só para lembrar aos mais beligerantes…). Quem tem boca, hoje, fala mandarim e vai a Beijing.

Nesse novo quadro, a América do Sul pode optar por ser apenas um estorvo na ligação Atlântico-Pacífico ou ser um entreposto facilitador da movimentação de mercadorias entre China e Atlântico Norte. Terá que competir com os Estados Unidos na movimentação transcontinental das cargas, mas se estes possuem hoje um predomínio tecnológico e econômico nesse campo, o fato é que nem sempre isso é o que conta, mas as relações comerciais, as parcerias, que forem formadas. E o Brasil parece ter mais a simpatia dos chineses do que os EUA, pelo menos em termos de relacionamento político. Não foi avião de caça supersônico de espiões brasileiros o que os chineses capturaram, em anos ainda recentes… Esse bom relacionamento China-Brasil é algo a ser cultivado. E aí, quem sabe, o Brasil ajuda o governo chinês e relaxar um pouco mais, em todas aquelas questões relacionadas aos direitos humanos…

Mas não é só o eixo monumental dos transportes que pode mudar de rumo, forçado pelo crescimento econômico chinês. Outras mudanças logísticas devem se fazer sentir. Vejamos um pouco mais disso na próxima coluna.

 

* Carlos Pimentel Mendes é jornalista e edita o site Novo Milênio (www.novomilenio.inf.br)

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