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Conteúdo 25 de fevereiro de 2009

Verdades mentirosas e mentiras verdadeiras

Acho muito engraçadas aquelas rodas de bate-papo onde algum assunto que envolve decisões pessoais em teoria são discutidos.

É um show de eu faria isso; aquilo; e aquilo outro. Cada qual buscando para si a melhor forma de enfrentar a questão em pauta, seja com valentia, ou desprendimento material, esperteza, ou outra qualidade de se gabar.

A ironia mais sincera que vi sobre a temática foi no antigo seriado Perdidos no Espaço, onde em um momento de turbulência da Júpiter 2 (os personagens dramatizavam correndo de um lado para outro da nave, como se perdessem o equilíbrio) o insuperável Dr. Smith lascou: “Primeiro os covardes, depois mulheres e crianças”. Dito isso, o herói procurou um jeito de salvar a própria pele, deixando que os companheiros resolvessem por si só seus problemas.
 
Essa cena, que seria considerada como humor ingênuo dos anos 60 é, na verdade, de grande sofisticação no espelhamento da realidade atual do comportamento dos líderes mundiais em relação à crise econômica global.

Sendo um pouco subversivo, falar no que não se acredita não é a atribuição exclusiva da tradição política brasileira.

Diante do fantasma do desemprego, recessão e risco de quebra das principais empresas de vários países, os mais importantes líderes globais da atualidade estão sendo rápidos em se despir da fantasia de guardiões do livre comércio para defender os interesses mais urgentes de seus cidadãos.
 
O novo presidente norte-americano, Barack Obama (lembrando que a Dona Michelle é uma gata), por exemplo, pegou pesado ao colocar na justificativa de seu pacote de investimentos contra a crise a idéia de que os gastos estatais em obras de infra-estrutura deveriam favorecer a contratação de fornecedores do próprio país.

Em princípio, isso é mais lógico do que andar para frente. Afinal, o objetivo de gastar centenas de bilhões de dólares é reativar a economia dos EUA e não do resto do mundo.

Mas o problema é que tal diretriz de ação esbarra em "verdades” que deveriam reger os princípios das relações entre os países no âmbito da sustentação da competitividade, que se tornou um dos principais postulados do multilateralismo estabelecido pelas nações desenvolvidas desde o final da II Grande Guerra.

Assim, quando o Canadá e a União Européia abriram o berreiro com relação à postura norte-americana, Obama logo tentou um jeito discreto de voltar atrás. Daí veio a elogiável presença de espírito do presidente brasileiro, Luiz Inácio da Silva, ao vestir ironicamente a fantasia liberal e reclamar do protecionismo dos países ricos.

Entendo isso como um oportuno tapa de luva na histórica incoerência (mas justificável) de excluir os produtos da base rural das teses do livre comércio.

Mas o fato é que ao redor do mundo pipocam ações de proteção do mercado interno dos países como forma de minimizar os efeitos da crise.

A cada dia, imigrantes são vistos com crescente mágoa pelas vítimas diretas ou indiretas do desemprego; os governos passam a questionar mais meticulosamente políticas eventualmente desleais de comércio internacional; enquanto aumenta o incentivo para repatriação de investimentos feitos no exterior, como forma de geração de empregos.

Parece claro que nesse início de 2009 há a disposição predominante de se dar um tempo para a globalização e deixar as mulheres e crianças (no caso, os países não desenvolvidos, dentro da visão paternalista a que nos acostumamos) à mercê de sua própria sorte e habilidade.

Por enquanto, não existem medidas escancaradas nesse sentido. Isso irá acontecer apenas se a crise tiver uma duração mais longa, fazendo com que os eleitores pressionem mais seriamente pela proteção “contra o imperialismo internacional”… quem diria!

Daí, deveremos estar protegidos contra a síndrome do energúmeno brasileiro, que defenderá o fechamento de nossas fronteiras, também, sobretaxando, contingenciando, ou mesmo proibindo a entrada de produtos estrangeiros.
 
Contra essa provável onda nacionalista, teremos de ter a serenidade de reconhecer que o Brasil ainda é um país de geração tecnológica precária, que não pode prescindir da concorrência externa na indústria de ponta, sob pena de condenar todo o nosso parque produtivo ao sucateamento e ineficiência (isso aconteceu nos anos 80, quando os militares abusaram da infeliz “lei da informática”) quando o cenário do comércio global melhorar.

Para finalizar, o contexto em foco – analisado sob o ponto de vista humano – dá pistas para tentar entender o que aconteceu na cabecinha da brasileira que se arranhou na Suíça com motivos nazistas.

Sentindo que seria obrigada a abandonar seu projeto de vida européia para garantir emprego a algum suíço, a moça apenas materializou na carne o seu sentimento de estar sendo possivelmente vítima de xenofobia.

Mas o tiro saiu pela culatra: em vez de despertar compaixão e um visto de permanência, a garota esbarrou com a indignação de um povo avesso à barbarismos, que viu sua honra agredida. Dificilmente ela deixará de tomar um bom corretivo.

Por outro lado, entre mentirosos ela representa apenas uma criança imatura dando vazão aos seus sentimentos e perdendo um pouco o senso da realidade.

Os maiores mentirosos estão sentados em gabinetes e mesas de negociações, tentando maneiras dignas de escapulir de seus próprios postulados.

Se a crise financeira não acabar logo, não será estupidez pensar que a globalização vai para as cucuias. Interessante pensar no que virá em substituição.

Bons palpites estão nas obras futuristas de Aldous Huxley.

Eduardo Starosta é economista: eduardostarosta@uol.com.br

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