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Conteúdo 11 de fevereiro de 2009

Voo cego

O que permitiu a algumas pessoas verem a crise financeira chegando enquanto tantas outras não perceberam sua força acumulada? Fiz essa pergunta recentemente a Nouriel Roubini, que passou a ser conhecido como Doutor Fim do Mundo por causa de seus insistentes alertas, iniciados em 2006, de que estávamos indo para uma tempestade global.

Roubini deu dois tipos de respostas. A primeira envolve a saraivada-padrão de números do tipo que os economistas normalmente fazem – e que Roubini simplesmente fez melhor e antes. E sua segunda resposta é ainda mais interessante, pois ela vai ao cerne do que deveríamos aprender com essa crise: Roubini decidiu descartar a suposição da racionalidade do mercado que está por trás de maioria das políticas econômicas e abraçar os conhecimentos psicológicos do que é conhecido como economia comportamental.

Para começar, a explicação analítica padrão: Roubini disse que estudou uma tabela no livro Exuberância Irracional, do economista Robert J. Shiller. Ela mostrava que os preços dos imóveis, ajustados pela inflação, permaneceram praticamente parados por um século, até meados dos anos 1990, quando eles começaram a disparar.

Além disso, Roubini viu que a mais recente correção imobiliária – no final dos anos 1980 – teve um efeito grave no sistema financeiro, levando no final ao colapso da poupança e da indústria de empréstimos. Então, Roubini descobriu duas coisas: os preços dos imóveis não iriam crescer eternamente e quando caíssem levariam junto uma grande fatia do sistema financeiro. A partir daí, foi uma questão de observar os dados.

Em meados de 2006, a alta nos preços imobiliários estava se estabilizando, a construção de casas novas estava caindo – e era óbvio (para Roubini, pelo menos) que estávamos caminhando para uma queda. Mas todo mundo tinha os mesmos números. Por que só Roubini agiu?

A resposta é que ele decidiu confiar mais em seus instintos, que lhe diziam que havia problemas à frente, do que na "sabedoria das multidões" de Wall Street que, refletida nos preços das ações, afirmava que tudo estava cor-de-rosa. Ele concluiu que os mercados não estavam precificando o grau de risco que, de fato estava presente no setor imobiliário.

A teoria econômica do homem racional não funcionou, disse Roubini no mês passado, numa sessão do Fórum Econômico Mundial de Davos. Essa é a razão pela qual ele e outros economistas importantes estão dando mais atenção à economia comportamental, que surge da premissa de que as decisões econômicas, como outros aspectos do comportamento humano, são influenciadas por fatores psicológicos irracionais.

A refutação mais convincente do modelo racional, paradoxalmente, foi apresentada pelo racionalista supremo, Alan Greenspan. "Eu cometi um erro ao supor que os interesses das organizações, especialmente bancos e outras, fariam com que elas estivessem mais capacitadas para proteger seus próprios acionistas", declarou ao Congresso o ex-presidente do Fed em outubro passado.

Esta é a razão pela qual Greenspan não viu a crise chegar, argumenta Daniel Kahneman – um professor de Princeton que frequentemente é descrito como o pai da economia comportamental : seu modelo de ator-racional não lhe permitiria.

Permitam-me fazer uma menção ao padrinho da economia governamental, John Maynard Keynes. Sua Teoria Geral, de 1936, na maioria das vezes é interpretada simplesmente como uma convocação para se consertar recessões incentivando a demanda com gastos governamentais. Mas em um nível mais profundo, Keynes estava analisando o papel de fatores psicológicos, como ganância e medo, nas decisões econômicas. Ele compreendeu que os mercados se congelam quando as pessoas entram em pânico e começam a guardar dinheiro vivo. (Preferência por liquidez extrema). Por outro lado, as economias começam a rugir quando os investidores sentem uma explosão do que Keynes chamou de espírito animal.

Uma das ideias mais poderosas que escutei em Davos foi a ideia da análise pre-mortem, que primeiro foi proposta pelo psicólogo Gary Klein e tem sido utilizada por Kahneman.

Uma análise pre-mortem pode providenciar uma verdadeira prova de resistência ao pensamento convencional. Vamos dizer que uma empresa ou uma agência do governo decidiu por um plano de ação. Mas antes de executá-lo, o chefe pede as pessoas que suponham que em cinco anos o plano tenha fracassado – e então escrevam uma breve explicação por que ele não deu certo. Essa abordagem representa uma chance para virem à tona problemas que os tomadores de decisões deixaram passar – os cisnes negros, para usar uma expressão do ex-corretor Nassim Nicholas Taleb – que as pessoas pressupõem que não vai ocorrer no futuro próximo porque não ocorreram no passado recente.

Outra lembrança trazida de Davos neste ano foi um provérbio japonês citado por um palestrante: Uma polegada à frente é escuridão. Admitir a imprevisibilidade inerente da vida econômica – a escuridão que está logo à frente – deveria nos deixar cautelosos. Mas também pode nos deixar mais espertos.

 

Fonte: Diário do Comércio – www.dcomercio.com.br

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