Quem trabalha no ramo provavelmente já ouviu falar do SCOR® – Mas… o que é mesmo um modelo de referência?
Introdução
Em Supply Chain estamos constantemente preocupados com níveis de serviço, estoques, flexibilidade, confiabilidade, performance, projeções, prazos de entrega e uma infinidade de outros detalhes fundamentais para o nosso dia-a-dia das operações. Temos o produto certo, no lugar certo, na quantidade certa e em tempo? Somos competitivos? Conseguimos, enfim, reduzir custos, prazos de entrega e estoques?
Nossos colegas de Finanças têm uma perspectiva diferente, concentrando-se prioritariamente nas receitas e lucratividade, com a gestão de caixa num segundo lugar bem próximo.
Considerando que a linguagem financeira é (por excelentes motivos) dominante nos processos decisórios de qualquer empresa séria, começamos a entender porque executivos financeiros, mesmo compreendendo que uma gestão efetiva do Supply Chain é parte fundamental do sucesso do negócio, tendem a considerar nossa performance insatisfatória, por diversos motivos (dentre os mais comuns: nos falta “rigor financeiro”, “ficamos devendo” em eficiência gerencial, não oferecemos visibilidade dos impactos financeiros de nossas decisões).
A base da linguagem financeira moderna (a “receita” ou “bill of materials” deles) é algo parecido com a árvore do valore econômico agregado (“EVA tree” para os íntimos), grosseiramente descrita na figura 1. A grande ironia é que, para surpresa de muitos, Supply Chain tem grande impacto sobre todos os componentes da “raiz” dessa “árvore”.
Figura 1. A árvore do Valor Econômico Agregado (a “receita” ou “bill of materials” de Finanças) tem cada uma de suas “raízes” fortemente influenciadas por Supply Chain
Olhando a cadeia de abastecimento como um todo, veremos que na vasta maioria das empresas Supply Chain é responsável por 60% a 90% do total de custos. Isso quer dizer que um ganho de 2% de eficiência em processos de Supply Chain equivale a 30.000-50.000% dos mesmos 2% em Sistemas, RH, Finanças, Vendas… alguma surpresa que todas as metodologias e técnicas de aperfeiçoamento de processos (Six-Sigma, Lean, BPR, ERP, ISO, MRP-II, TQM…) tiveram origem em Supply Chain?
Uma gestão superior de Supply Chain representa, portanto, fonte de enormes vantagens competitivas, como demonstra a figura 2.
Figura 2. Custos totais de Supply Chain (% das receitas) em algumas indústrias – as de melhor performance em cada indústria apresentam uma vantagem consistente da ordem de 50% sobre a respectiva mediana!
A ASCM (Association for Supply-Chain Management) acredita que o modelo SCOR® é uma ferramenta valiosa para alcançar a tal gestão superior, e a figura 3 ajuda a demonstrar isso, comparando durante quase uma década o desempenho agregado de 70 usuários listados na Bolsa de Nova York aos indicadores mais importantes do mercado.
Figura 3. Comparação do desempenho agregado de 70 empresas usuárias de SCOR® listadas na Bolsa de Nova York com os principais indicadores de mercado (Dow Jones e Standard & Poors) ao longo de 7 anos
Mas… o que é mesmo um modelo de referência?
Um modelo de referência de processos é uma ferramenta que coloca num único “pacote” as técnicas de reengenharia de processos, benchmarking, análise de melhores práticas e desenho organizacional, como demonstrado a seguir:
Figura 4. O modelo SCOR® junta numa única ferramenta técnicas de reengenharia de processos, benchmarking, análise de melhores práticas e desenho organizacional
Como o próprio nome sugere, essa ferramenta serve de referência para o desenho e/ou aperfeiçoamento de processos, avaliação de seu desempenho, análise de melhores práticas possivelmente aplicáveis e definição do perfil de competências das pessoas que terão responsabilidade por operar tais processos no dia-a-dia.
Cabe aqui uma consideração fundamental para o bom uso da ferramenta: um modelo de referência não é uma “receita de bolo” ou “bíblia” que deve ser seguida à risca e pretende ter todas as respostas. Isso gera muita confusão, pois as pessoas ouvem falar que o SCOR® é “uma referência” em Supply Chain e ficam com a (errônea) impressão que vão encontrar no mesmo todas as respostas.
Outro ponto que gera muita confusão para “marinheiros de primeira viagem” é a organização do SCOR® em vários níveis (do mais estratégico para o mais operacional). Essa característica (fundamental para o alinhamento da arquitetura da cadeia de abastecimento com a estratégia da empresa) torna necessário um bom entendimento do escopo geral da ferramenta, seu conteúdo e possíveis usos antes de partir para sua aplicação em projetos específicos. Apesar disso, é altamente aconselhável que as primeiras aplicações práticas sejam em projetos de escopo mais limitado.
Relacionamentos
O modelo SCOR® conecta processos, métricas, melhores práticas e tecnologias numa estrutura única, padronizada, hierárquica, interativa e interconectada, suportando o aprimoramento contínuo da cadeia de abastecimento. Acelerando a coleção de dados, reduz o tempo necessário para encontrarmos as respostas às questões básicas sobre nossa performance atual, causas de eventuais desvios e início de ações corretivas.
5 processos
Tratando-se de um modelo de referência de Supply Chain, o SCOR® é estruturado em torno de 5 grandes processos: Plan (planejar), Source (abastecer), Make (produzir, fazer – outro ponto passível de confusão: o modelo é válido tanto para operações industriais como comerciais ou de serviços, basta ter clareza sobre o que a empresa “faz”), Deliver (entregar para Clientes ou receber entregas de Fornecedores) e Return (devolver para um Fornecedor, ou receber devolução de Cliente).
Figura 5. O SCOR® está estruturado em torno de 5 grandes processos (Plan, Source, Make, Deliver e Return), se estendendo ao longo de toda a cadeia de abastecimento (do fornecedor do fornecedor ao cliente do cliente)
Como demonstra a figura 6, esses processos estão estruturados em 3 níveis de detalhamento, através dos quais podemos promover o alinhamento da arquitetura da cadeia com a estratégia da empresa para em seguida configurar cada categoria de processos (implementando as estratégias operacionais mais adequadas às necessidades do negócio) e finalmente definir os elementos de cada processo (dados de entrada e saída, métricas de performance, melhores práticas aplicáveis, sistemas de suporte e perfis de competência necessários aos responsáveis por nossos processos).
Figura 6. Os níveis de detalhamento dos processos
Esses níveis oferecem um passo a passo bastante natural para o alinhamento de projetos, propiciando uma conexão dos objetivos estratégicos do negócio à medida que pessoas de diferentes níveis hierárquicos aprofundam cada vez mais o detalhamento dos processos que compõe a cadeia de abastecimento, que por sua própria natureza apresentam níveis de complexidade muito diferentes (como demonstrado nas figuras 7e 8).
Figura 7. O conteúdo de cada nível do SCOR® se destina a atividades de diferente natureza e complexidade
Figura 8. O conteúdo de cada nível do SCOR® deve ser avaliado por diferentes audiências, em conformidade com o respectivo nível de complexidade
Métricas de performance integradas
Em paralelo aos padrões para desenho de processos, o SCOR® oferece métricas de performance que permitem tanto a amarração com os objetivos estratégicos, quanto a análise de causas raiz de eventuais desvios. Essas métricas foram desenvolvidas a partir dos 5 grandes atributos de performance com os quais podemos caracterizar qualquer cadeia de abastecimento (Confiabilidade, Responsividade, Agilidade, Custos e Gestão de Ativos), descritas em detalhe na tabela 9.
Figura 9. As métricas do SCOR® estão alinhadas em torno de 5 atributos de performance
Uma métrica é um padrão para medição da performance de um processo. As métricas do SCOR® também estão organizadas em 3 níveis: as de nível 1 servem para diagnosticar o desempenho da cadeia como um todo, são consideradas estratégicas e devem ser usadas como base para um benchmarking que ajude a estabelecer objetivos estratégicos realistas. As de nível 2 servem para diagnosticar as de nível 1, identificando a(s) causa(s) raiz de desvios de performance, assim como as de nível 3 em relação às de nível 2.
Melhores práticas
Para cada nível de cada processo o SCOR® apresenta uma relação de melhores práticas, que são formas pré-definidas de configuração de processos ou grupos de processos e podem estar relacionadas ao uso de processos de automação, tecnologias, sequenciamento de atividades ou formas diferenciadas de conectar processos entre organizações.
O SCOR® diferencia a maturidade das práticas, classificando-as como: emergentes, melhores, comuns e pobres, mas cabe ao usuário definir a aplicabilidade de cada prática à sua indústria, segmento, empresa ou unidade de negócio.
Pessoas
Pessoas talentosas estão no coração de qualquer cadeia de abastecimento que pretenda responder efetivamente aos desafios e oportunidades do negócio. O SCOR® inclui uma referência das competências (técnicas, comportamentais e experiência) necessárias para que esses profissionais possam exercer efetivamente suas funções, permitindo que os líderes da função alinhem estruturas com objetivos estratégicos. Essa referência está organizada em 4 áreas: competências básicas para execução do processo, competências críticas (que podem diferenciar os melhores candidatos a liderar um processo em particular), medidas de performance (métricas SCOR® relacionadas à avaliação contínua da performance em cada categoria de processo) e credenciamento de competências de gestão (incluindo programas de treinamento ou certificação relacionados às categorias de processos).
Competência é definida como a capacidade de alcançar resultados com níveis mínimos de esforço e é composta de níveis: experiência, aptidão, treinamento e qualificação. Os níveis de competência são categorizados em: novato, experiente, competente e especialista.
Conclusões
O SCOR® é um modelo de consenso que foi desenvolvido e é continuamente aprimorado com a participação direta de voluntários dedicados a desenvolver ou gerir cadeias globais de abastecimento, usando-o para analisar e aprimorar a performance de suas empresas. Dentre seus inúmeros benefícios se destacam:
– Rapidez na análise da performance da cadeia de abastecimento;
– Clareza na identificação dos gaps de performance;
– Eficiência no desenho e otimização da cadeia de abastecimento;
– Melhor controle operacional de processos chave padronizados;
– Simplificação de relatórios de gestão e estrutura organizacional;
– Alinhamento das equipes de Supply Chain em torno de objetivos estratégicos;
– Um plano de ação detalhado para o lançamento de novos produtos ou negócios;
– Sistematização das projeções e realização de ganhos em fusões e aquisições.
O uso do SCOR® torna o alinhamento da arquitetura e integração de cadeias de abastecimento com os objetivos estratégicos do negócio um exercício bem menos complexo, como destacam as figuras 10 e 11, mas isso é assunto para um outro artigo.
Figura 10. Alinhando a arquitetura da cadeia de abastecimento à estratégia do negócio
Figura 11. Componentes da arquitetura da cadeia de abastecimento
Referências
– Supply Chain Operations Reference (SCOR®) model Overview – Version 10.0 – Supply-Chain Council
– SCOR® 10 Reference Guide – Supply-Chain Council
– Linking Strategy and Operations – Define, Align and Perform with SCOR and SCORmark – Sean Culey, Supply Chain Council’s European Leadership Team
– What is SCOR® exactly – Dan Swartwood, Vice President of Process and Technology for Satellite Logistics Group