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Conteúdo 4 de julho de 2008

A chegada do grande inverno

Fazendo um paralelo cronológico entre a história da humanidade e a vida de um único humano, acredito que a população do globo estaria atualmente na adolescência: já tem algumas características aparentes de adulto, mas o cérebro está em plena transição; saindo da infância e assumindo uma postura de superioridade sobre tudo e todos.

Daí que nós vivemos em uma época de certezas instantâneas, que oscilam como as roupas da moda, que ao caírem em desuso vão sumindo no fundo do armário, até reaparecerem misteriosamente como flanelas para tirar o pó do chão. Mas para cada verdade morta, nasce pelo menos mais uma para assumir o papel da anterior e recomeçar o ciclo.

O problema é que tal modo irresponsável de lidar com a vida, se não for cerceado, acaba resultando em alguma besteira das grandes. Quem tem adolescentes na família sabe muito bem do que falo.

Certo, mas por que esse comportamento está sendo associado à história da humanidade? Pois bem, nesse enfoque, deixamos de ser bebês a fomos promovidos à crianças no final da pré-história, quando o ser humano começou a pensar sobre sua própria existência e passou a filosofar, inventando para isso a escrita, a matemática, as religiões e as várias formas de ciências que conhecemos atualmente.

Daquela época até os dias atuais, milhões de experiências passaram a moldar o comportamento dos povos que pelo amor, pelo ódio, ou por simples oportunismo trilhavam rotas de integração, não sem vários revezes, expressos em guerras e isolamentos.

E na medida em que isso ocorria, o ser humano passou a ter a sensação crescente de dominar o seu meio; a natureza. Talvez a primeira vez que alguém tenha sentido isso foi no domínio do fogo, ou do primeiro teto que o projeto não desmoronou (Chico Buarque).

Mas que raio de domínio é esse? O que uma fogueirinha representa frente a um grande incêndio? O que um teto que segura um chuvisco é capaz de fazer diante de um ciclone ou inundação?

Talvez seja a hora de reconhecer que no jogo da vida, é a natureza ainda que dá as cartas. No máximo, tentamos algumas jogadas que não raramente terminam em desastre.

Mas estamos no caminho do verdadeiro conhecimento, isso é inegável, graças a uma restrita elite de cientistas e filósofos que sabem tratar de suas matérias sem a arrogância de dar pitacos autoritários nas searas ignoradas (por exemplo, o falecido “meu nome é Enéas”, era reconhecido como um brilhante neurologista; mas como político… por favor!).

No mais, a esmagadora maioria dos seres humanos tende a vulgarizar facetas do conhecimento, tornando-os verdades adequadas a sua retórica. Coisa de adolescente ou não?

E o pior, é que mesmo que o leitor se sinta diferenciado no que se refere a esse assunto, tenha a certeza de que sua vida é muito provavelmente governada e influenciada por esse tipo de gente.

Veja só: as vistas grossas com relação ao aquecimento global provavelmente descontrolaram o clima, ou melhor: tornaram o meio ambiente mais hostil a nós mesmos, com furacões de intensidade recorde, calotas polares derretendo e outras coisas mais.

Na economia esse fenômeno também é comum (assim como na política). Tem um monte de “especialistas” traduzindo ao seu público o que o “mercado está dizendo”.

Humildemente, acho que o mercado não fala. Se falasse, estaria de língua de fora para atender tanta gente que conversa com ele.

E tais médiuns invocam certezas com tons de religiosidade para convencer a todos da suas verdades. E muitas vezes isso funciona, especialmente quando o objeto é algo que se tornou abstrato, como ações na bolsa de valores.

No final dos anos 90, a certeza de que todo o futuro do mundo estaria na nova economia (as “ponto com” da internet), acabou numa crise forte o suficiente para frear o crescimento do comércio mundial lá por 2001.

Mas com a recuperação no ano seguinte, nossos profetas novamente voltaram à carga. O futuro era outra baboseira, como comprar casas nos EUA. E as pessoas acreditaram nisso e em outras lorotas da verdade. Quando o problema estoura, já é tarde demais. A certeza é jogada para o fundo do armário; e os que ficam com ela à vista acabam pagando mico.

E assim chegamos a resultados, ao mesmo tempo preocupantes e esclarecedores, sobre a economia global no primeiro semestre. De acordo com cálculo do Grupo Morgan Stanley, as bolsas de valores dos 23 países mais desenvolvidos do mundo registraram queda conjunta de 11,75% entre janeiro e junho últimos.

Ao mesmo tempo, o BIS (organização que congrega os Bancos Centrais do mundo), de uma hora para outra, resolveu alertar o planeta para os riscos de uma estgflacão (inflação misturada com estagnação econômica), recomendando alta de juros.

O fato é que a economia mundial mostra que está parando. O prejuízo das ações acabou refletindo na produção. A inflação dos alimentos é apenas um dos vários componentes que constrói a realidade atual.

E cadê aqueles sujeitinhos que falavam de uma Nova Era de crescimento ilimitado, não havendo necessidade de sintonia entre o valor das empresas no mercado e sua real situação patrimonial? Acho que bem escondidinhos, recebendo mensagens mediúnicas do tal do mercado, para serem usadas quando a encrenca que está estourando se acalmar.

Reconhecidamente, está chegando mais uma hora de acerto de contas. Durará um, dois, ou talvez três anos. Provavelmente a recuperação virá com o lançamento de novos bens de consumo, após uma fase de saneamento financeiro das empresas, famílias e governos, especialmente dos EUA. O Brasil, apesar de bem posicionado em alguns aspectos, como a produção de alimentos e energia, não deve ficar impune. Cedo ou tarde terá de passar por forçosos ajustes no câmbio, e nas contas públicas, com repercussões inflacionárias sérias.

Um novo inverno se aproxima da economia mundial. Lições serão aprendidas. Mas a arrogância das verdades instantâneas e biodegradáveis (somem não deixando rastro ambiental) provavelmente voltará e seduzirá a quase todos.

Quando isso parar de acontecer, ou pelo menos ocorrer em menor escala, a humanidade começará a entrar na fase adulta; mais serena… espera-se.

 
Eduardo Starosta é economista. Email: eduardostarosta@uol.com.br

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