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Conteúdo 9 de março de 2009

E agora, teremos um Buy Argentina?

Nesta semana, quando o secretário geral do Itamaraty, embaixador Samuel Pinheiro Guimarães, e seu colega argentino se reunirem para discutir os problemas de nosso relacionamento bilateral e preparar a reunião entre os presidentes do Brasil e da Argentina em São Paulo, no próximo dia 20, com certeza pode-se afirmar uma coisa: perderão brasileiros e argentinos.

A menos que haja uma mudança de script de última hora, o Brasil cederá às pressões do protecionismo argentino. Uma possibilidade é a aceitação, pelo governo brasileiro, da imposição ao setor privado de acordos "voluntários" de restrição de exportações ao país vizinho.

Por esse mecanismo, que ao que se diz afetaria pelos menos nove setores exportadores brasileiros – entre os quais calçados, têxteis, eletrodomésticos da linha branca (especialmente fogões e geladeiras), máquinas agrícolas, papel e siderurgia (tubos e chapas de aço) – o governo brasileiro induziria os empresários a limitar por cotas as exportações para a Argentina. A alternativa será ver o parceiro impor, ele próprio, as restrições.

O chanceler Celso Amorim tem, com muita propriedade, afirmado que estamos passando por mais um teste de estresse em nossa relação bilateral com a Argentina. Quantos mais enfrentaremos, se cedermos novamente, como, aliás, vimos fazendo já há bastante tempo, em nome da boa vizinhança no Mercosul?

O que está sendo ignorado é que, de concessão em concessão, não somente perdem as empresas exportadoras brasileiras e seus acionistas – isto é, o capital investido na atividade de exportação. Perdem também, e talvez, principalmente, os trabalhadores empregados nessas empresas. Porque, em um momento de retração do mercado interno e de enormes dificuldades de manutenção das exportações para os países fora do Mercosul, o fechamento do mercado argentino pode levar a maiores dificuldades de manutenção do emprego desses trabalhadores. Com isso, além de perderem capital e trabalho brasileiros, perde também o próprio governo, com a redução na arrecadação tributária decorrente do menor nível de atividade das empresas voltadas para as vendas à Argentina.

Se tudo não fosse suficiente, perdem também os consumidores argentinos, a quem caberia ao governo argentino defender. Porque não tenham ilusões: o protecionismo argentino forçará os consumidores locais a restringir suas opções entre produtos argentinos e brasileiros. Em decorrência, o mercado do país vizinho estará resguardado, como uma reserva de caça, às empresas locais, agora livres da "sanha" da concorrência mais eficiente dos brasileiros.

Monopolizado o mercado para um pequeno número de empresas ineficientes, o consumidor argentino só poderá perder. Em lugar da alternativa, a imposição: o que se está preparando é um "Buy Argentina", um nefasto similar da disposição do programa do presidente americano Barack Obama de restringir os gastos de recuperação fiscal americano às empresas do próprio país.

Outras consequências advirão de uma possível rendição brasileira aos pleitos protecionistas argentinos. O Mercosul, passada e consolidada a fase de redemocratização no Brasil e na Argentina, é uma zona de livre comércio, ainda que imperfeita, em que se pretende dar tratamento de produto nacional a tudo que é produzido no Brasil, na Argentina, no Paraguai e no Uruguai. Trata-se de eliminar barreiras à livre movimentação de bens e serviços entre os parceiros, como existe entre São Paulo e o Rio de Janeiro e Pernambuco, e entre Buenos Aires e Entre Rios. Criamos com o Mercosul um espaço maior de liberdade comercial, onde vence quem melhor atende os consumidores, em termos de preço e qualidade.

O que queremos afirmar com a aceitação de barreiras ao comércio? Que os consumidores argentinos não importam? Que igualmente não importa o emprego dos trabalhadores brasileiros? Que importa somente o retorno de capitalistas argentinos, ineficientes, atingidos pela crise, como de resto nós brasileiros, também?

Estaremos sinalizando para os paraguaios e uruguaios que, quando estão em embate os interesses dos sócios grandes do Mercosul, "às favas com os escrúpulos" e princípios? E se o conflito fosse com um dos sócios menores, estaríamos igualmente dispostos a ceder?

Esse é um tema importante para a meditação do senhor presidente, tão preocupado que está com os empregos na Embraer. Quanto empregos perderemos se cederemos a qualquer pressão dos argentinos? E que sinal estaremos dando aos paraguaios, uruguaios e venezuelanos, com tanta concessão?

Roberto Fendt é economista

Fonte: Diário do Comércio – www.dcomercio.com.br

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