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Conteúdo 10 de outubro de 2008

O que esperar de um mundo sem grana

Apenas à título de exercício mental, vamos admitir que ao completar o primeiro mês, o caos financeiro internacional estabilize.

Nesse caso, apenas somando a injeção de dinheiro dos bancos centrais para cobrir créditos podres do sistema financeiro, com a desvalorização das empresas de capital aberto em bolsas de valores no mundo, chegamos ao montante aproximado  de US$20 trilhões.

Não está fora de propósito pensar que tem mais valores ainda esperando para virar fumaça. Mas vamos nos contentar, por ora, com a citada cifra.
 
Em primeiro lugar se essa dinheirama toda fosse de verdade, estaríamos falando de aproximadamente 37% do PIB mundial.

Claro que é o improvável que tal a hecatombe tenha acontecido. A perda chegou a tais dimensões pelo exagero na alavancagem monetária, havendo casos conhecidos de que US$1 se multiplicou por mais de 40 vezes. Foi esse fenômeno financeiro que fez com que o crédito ficasse tão fácil. E com a crise, tal situação irreal simplesmente se desfez, dando sumiço também em uma boa quantidade de ativos reais.

Como resultado dessa bagunça, chegamos ao único fato provavelmente incontestável na realidade atual: os tempos de elevada liquidez ficaram para o passado; o dinheiro está cada vez mais raro e difícil de conseguir a custos razoáveis.

Bem, e a partir daí, o que esperar?

A não ser que os bancos centrais do mundo façam improváveis malabarismos, parece lógico que muitos países de primeira linha entrarão em recessão. O comércio global tenderá a passar por longo período de retração.

Mas tem mais coisas que devem acontecer a partir de agora.
 
Talvez, uma das principais lições da crise seja a de que na raiz do mundo dos negócios existe algo chamado produto, que necessariamente deve ser feito de matéria; ser tocado. Claro, a especulação continuará existindo, mas até que se esqueça da segunda-feira negra, a maior parte das pessoas não vai mais engolir exageros. Pelo menos é isso que se espera.

E se isso for verdade, os países que vivem de ganhos financeiros e royalties começarão a enfrentar dificuldades preocupantes. Afinal, com a drástica redução da alavancagem financeira e enxugamento de liquidez, o espaço para receitas sem lastro no mundo real diminuirá sensivelmente.

Provavelmente, passaremos por uma nova fase na qual o poder econômico estará mais perto do poder produtivo.

E se assim for, países como EUA, Alemanha, Japão e outros que promoveram a emigração de suas fábricas para terceiros países, como China, tenderão a buscar a recuperação da sua capacidade produtiva interna. Isso não significa que o maquinário será simplesmente  levado de volta, mas sim que os investimentos no futuro estarão mais voltados para o mercado interno em recessão.

Tal situação é delicada, pois quebra os atuais padrões de relações internacionais. Pelo menos, dentro desse cenário, por dois, três ou quatro anos, o protecionismo das nações tenderá a aumentar.

Afinal, para combater o desemprego – que deve aumentar sensivelmente nos próximos trimestres – as economias se inclinarão a aceitar graus de ineficiência em segmentos produtivos de elevada capacidade de absorção de mão-de-obra, que serão protegidos da competição externa.

E junto com isso, não dá para negar que o mundo vive um momento de reposicionamento dos países. O conflito entre Rússia e Geórgia não foi tão ingênuo como parece, estando envolvido em um intrincado jogo de xadrez. Os chineses, comprando minas ao redor do mundo e os norte-americanos gastando rios de dinheiro para sustentar posições no Iraque e Afeganistão, certamente estão cientes disso.

Em um momento de abundância, inimigos geopolíticos acabaram sendo íntimos parceiros comerciais. Mas em tempos em que o jabá não dá para todo o mundo, os interesses começam a se mostrar, diríamos, mais egoístas.

Várias publicações, por exemplo, já tratam como consolidada a decadência do domínio norte-americano. Apesar da citada nação estar em inegável crise econômica e de valores subjetivos, a coisa não é assim tão simples. Afinal, os EUA ainda são, disparadamente, o país mais inventivo do planeta. Mas seria miopia ignorar a existência de ameaças reais a tal hegemonia.

Em resumo, um novo realinhamento geopolítico entre países não está fora de propósito. E isso leva, pelo menos, à reedição da guerra fria.

Pensando por esse lado, bem que aquele dinheiro desaparecido do mercado está fazendo grande falta.

Quanto ao Brasil, o investimento produtivo externo cairá. O país, se quiser crescer, terá de finalmente equilibrar as contas públicas pelo lado da despesa, reduzir impostos, baixar juros de investir por conta própria.

Talvez isso seja esperar demais.

 

Eduardo Starosta é economista: eduardostarosta@uol.com.br

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